Ensaio filosófico
Por José Yorg, o cooperário *
“A nossa sociedade baseia-se em duas enormes falácias que, surpreendentemente, e apesar da sua obviedade, estão escondidas de uma cidadania que vive no feitiço ideológico que Althusser descreveu com tanta precisão. Pois bem, coube ao autor de Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado mostrar a materialidade da ideologia, sua dimensão ontológica, que a faz ultrapassar o âmbito do ideal para consolidar as práticas e modos de vida dos sujeitos. Sujeitos como somos, vivemos sujeitos, nas diversas acepções do termo, por ideologia.”
Juan Manuel Aragües Estragués
Este artigo constitui uma introdução à filosofia cooperativa da minha modesta pena. É na verdade uma breve introdução ao tratamento da filosofia cooperativa, um ensaio filosófico, a partir da perspectiva latino-americana, ou seja, fornece uma visão geral de um continente que ainda não alcançou a sua emancipação económica, política e social.
Formularemos então conceituações sobre o que entendemos por filosofia cooperativa para termos base de discussão.
A filosofia cooperativa, como facto do pensamento, é uma reflexão crítica sobre a sociedade capitalista e, portanto, é uma filosofia situada e disruptiva. Não é uma filosofia contemplativa, é antes uma filosofia de acção em prol do aperfeiçoamento humano através de um conjunto de valores e princípios cooperativos que dela derivam.
Esta filosofia se constrói à medida que problematiza e examina a sociedade capitalista, ou seja, pensa e reflete desde um ponto de vista humanista e socialista, e até cristão, e constata que tal sociedade capitalista está organizada numa função favorável e prioritária para um determinado sector, e que esta organização, por outro lado, gera desigualdade social.
Esses elementos, extraídos dessas observações críticas, serão positivos para formular uma ideia, uma imagem de uma sociedade melhor, baseada em outros valores e princípios que a sustentam, e como resultado de tudo isso se constrói a doutrina cooperativa.
“Era 1844 e Rochedale vivia o que é conhecido como ‘A Década da Fome‘. Eram tempos de extrema pobreza e injustiça social. Zona industrial por excelência, o grau de exploração era tão elevado e tão difícil de criar regras básicas do jogo, que aos trabalhadores em greve parecia uma grande conquista terem conseguido trabalhar ‘apenas‘ 13 horas”, aponta Mariana Vilnitzky em sua obra “Os pioneiros do Cooperativismo” (Revista 2013/4).
Os chamados Pioneiros de Rochdale observaram a realidade circundante tal como lhes foi apresentada e analisaram-na do ponto de vista das suas crenças socialistas, e concluíram que este mundo era negativo, portanto, tomaram uma decisão filosófica e política e fundaram o seu armazém cooperativo.
Paulo Lambert destaca também em seu livro “A Doutrina Cooperativa” que “a ciência explica o que é real, a doutrina julga e propõe diversas mudanças para melhorar o que é real”.
“Esta distinção entre ciência e doutrina não implica preferência por uma ou outra: ciência e doutrina são complementares e têm importância semelhante para o destino dos homens”.
Mas não há nenhum progresso teórico na construção científica da cooperação que revele o núcleo dessa sociedade capitalista, isto é, na realização da teoria científica cooperativa sobre o que é o capitalismo como um sistema socioeconómico apoiado pela filosofia liberal.
Como nos conta Juan Manuel Aragüés Estragués em seu artigo “As falácias do Liberalismo”, “Durante o século XVII e início do século XVIII, o liberalismo deslanchou, tanto na sua dimensão política como económica, ao desenvolver uma narrativa em que dois elementos, o trabalho e a liberdade, tornaram-se peças centrais da sua arquitectura ideológica. E dizemos narrativa querendo sublinhar os seus elementos ficcionais, tão característicos das abordagens idealistas da realidade, uma realidade que é sempre modelada e moldada de acordo com os seus interesses.”
A filosofia cooperativa surge contrária às visões e afirmações da filosofia liberal, pois preocupa-se, então, em pensar os problemas concretos dos trabalhadores, dos camponeses e dos desempregados, esses são os objectos da sua reflexão.
Portanto, a filosofia cooperativa trabalhará o factual, o real, e desencadeará ideias disruptivas porque deve distanciar essas classes oprimidas do regime opressivo em que vivem e a ruptura ocorrerá através de uma organização: a cooperativa. Empresa esta baseada na relação produtiva e distributiva proporcional e que aniquila também o factor de opressão empresarial, que é o mecanismo que consagra a mais-valia.
Isto representa cada empresa cooperativa.
G.J.D.C. Goedhart, presidente da Aliança Cooperativa Internacional (ACI) de 1921 a 1927, lembra-nos o aspecto moral da cooperação no Journal of International Cooperation (Vn 28-Nº 2- 1995): “Eles tinham atrás de si a terrível experiência das condições de vida e de trabalho que prevaleceram durante e após o período da Revolução Industrial. Eles sabiam, por experiência própria, que os mais pobres entre os pobres eram espoliados por intermediários que cobravam preços usurários para entregar produtos adulterados, roubavam-lhes em pesos e extorquiam-lhes preços em troca dos seus salários miseráveis. Foi esta moralidade perversa que lhes deu força e coragem para começar a lutar contra aquelas condições adversas e continuar até alcançar um resultado satisfatório. Foi também por esta razão que se esforçaram por analisar as causas das injustiças económicas em que viviam e por procurar meios para acabar com aquela velha ordem, perversa nas suas causas“.
Como se vê, o eixo central é pensar a injustiça social dos despossuídos de Nossa América, mas pensar filosoficamente não de forma contemplativa e ideal, mas de forma disruptiva, transformadora, libertadora, obtendo os conceitos e ferramentas processuais que orientam tal acção necessária, que é alcançar a emancipação.
Neste ponto contamos com o grande professor León Schujman quando destacou que “Outro elemento essencial a ter em conta na abordagem cooperativa da realidade é que o cooperativismo nasce e se desenvolve historicamente como um movimento de mudança e progresso social”.
“Nascido como uma resposta crítica à injustiça social a que conduziu o desenvolvimento do capitalismo e a sua subsequente expressão de concentração monopolística, o seu comportamento tem sido solidário com as causas progressistas da humanidade”
León Schujman sobre o cooperativismo.
Mas o grande professor vai ao epicentro da questão: “A identidade dos problemas enfrentados pelos países com economias dependentes, subdesenvolvidas ou periféricas, suscita a solidariedade necessária para enfrentar soluções. A raiz histórica comum e o vínculo cultural que une as nações da América Latina propõem uma estratégia concertada. O cooperativismo deve fazer parte desta estratégia.”
Schujamn generosamente nos fornece conceitos e elementos substantivos para construir a filosofia e a teoria cooperativa: “O ambiente socioeconómico em que a cooperativa está inserida é antagónico à sua existência. […] Os homens e mulheres que a compõem são produtos desse ambiente e sofrem sua influência permanente. […] A conduta cooperativa envolve um comportamento que não é apenas diferente, mas também consciente da necessidade de mudança.”
Especificamente, a filosofia cooperativa, como facto do pensamento, é uma reflexão crítica sobre a sociedade capitalista e, portanto, é uma filosofia situada e disruptiva de um continente ainda dependente e subdesenvolvido.
Em síntese, podemos afirmar que a filosofia cooperativa reflecte sobre o sofrimento dos despossuídos e fornece o conhecimento como guia para a acção emancipatória, mas acima de tudo fornece um poderoso instrumento de reforma social e económica: as Cooperativas. Isto marca definitivamente a gênese da filosofia e teoria cooperativas.
Em fraternidade, um abraço cooperativo!
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