Ainda Estou Aqui: Um Retrato da Memória Coletiva e da Identidade Brasileira

Raquel Azevedo *

O cinema brasileiro sempre se destacou pela capacidade de traduzir as complexidades de nossa sociedade em narrativas potentes, que dialogam com o presente e questionam o passado. Ainda Estou Aqui, dirigido pelo cineasta Walter Salles , surge como uma obra essencial neste momento em que a memória histórica é frequentemente relegada ao esquecimento ou reinterpretada de forma conveniente. Com uma atuação brilhante de Fernanda Torres, acompanhada de um elenco igualmente comprometido, o filme transcende os limites da ficção para se tornar uma reflexão urgente sobre identidade, memória e resistência.

Fernanda Torres entrega uma performance profundamente comovente e multifacetada. Sua personagem, uma mulher que enfrenta os desafios de manter viva a memória de sua família e de sua comunidade, é um microcosmo das lutas coletivas enfrentadas pelo Brasil. Torres domina a tela com uma presença visceral, equilibrando fragilidade e força em uma atuação que é tanto uma ode à resiliência quanto um grito de alerta sobre os perigos de apagar histórias. O restante do elenco, complementa com maestria a narrativa, conferindo profundidade às relações humanas e às camadas sociais apresentadas no roteiro.

O filme passa-se no Brasil contemporâneo, mas o tempo é tratado como um conceito fluido, mesclando passado e presente em uma montagem que reflete a forma como a memória funciona: fragmentada, emocional e, muitas vezes, conflituosa. O realizador faz uso de elementos visuais simbólicos — desde paisagens urbanas decadentes até objetos quotidianos carregados de significados pessoais — para reforçar o tema central: a luta contra o esquecimento. Em uma sociedade marcada por traumas históricos,

Ainda Estou Aqui é particularmente relevante no contexto político e social atual do Brasil. Vivemos em uma era em que narrativas históricas são frequentemente manipuladas ou apagadas para servir a interesses específicos. Monumentos são derrubados, livros escolares reescrevem episódios polémicos, e figuras históricas caem em esquecimento seletivo. O filme surge como um lembrete de que a memória coletiva não é apenas um registo do que foi, mas uma ferramenta ativa de construção de identidade e resistência. Sem memória, corremos o risco de repetir os erros do passado e de perder o que nos define enquanto povo.

Além de sua relevância temática, o filme impressiona pela qualidade técnica. A fotografia de (nome do diretor de fotografia) utiliza contrastes entre luz e sombra para ilustrar as tensões entre o visível e o invisível, o lembrado e o esquecido. A trilha sonora, por sua vez, mescla composições contemporâneas e canções tradicionais, reforçando a ideia de que o passado e o presente estão intrinsecamente conectados. Esses elementos enriquecem a narrativa e tornam a experiência cinematográfica ainda mais imersiva.

Uma das cenas mais marcantes — e que simboliza o espírito do filme — ocorre quando a personagem de Torres revisita uma casa abandonada que outrora foi um lar vibrante. Em meio ao pó e à decadência, ela encontra um álbum de fotos desbotadas. Essa cena não é apenas um retrato da passagem do tempo, mas um convite ao espectador para refletir sobre as próprias memórias e sobre o que deixamos para trás, tanto no nível pessoal quanto coletivo.

Ainda Estou Aqui é, acima de tudo, um chamado à ação. Ele nos lembra que a memória não é algo que simplesmente possuímos, mas algo que devemos proteger, cultivar e transmitir às próximas gerações. Em um mundo cada vez mais voltado para o imediato, o filme nos convida a olhar para trás — não com nostalgia paralisante, mas com a determinação de aprender, reconhecer erros e celebrar conquistas.

Neste momento crucial da história brasileira, em que as disputas pelo controle da narrativa nacional estão mais intensas do que nunca, Ainda Estou Aqui se estabelece como um filme indispensável. Não apenas por sua qualidade artística ou pela atuação impecável de Fernanda Torres e do elenco, mas pelo que representa: um lembrete de que, sem memória, não há identidade; sem identidade, não há futuro. É uma obra que ressoa profundamente e que, como sugere o título, insiste em permanecer.

[“Ainda Estou Aqui”, drama, Brasil, 2024. Realização: Walter Salles, com Fernanda Torres e Selton Melo; Golden Globe Melhor Actriz]

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Raquel Azevedo
* Raquel Azevedo é técnica multimédia, produtora, activista sindical e cinéfila.

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