A resposta europeia de uma Urs[ul]a Menor (A imigração “irregular”)

Alfredo Soares-Ferreira *

Quase consentânea com o “discurso de estado da União”, aqui abordado na semana passada, a visita de Ursula a Lampedusa, serviu para anunciar um plano de acção de 10 pontos, a “resposta europeia” da Presidente da Comissão à designada imigração “irregular.

A Presidente considera que as vagas de migrantes sem documentos que chegam às costas da Europa são um dos “grandes desafios” da Europa. E que, nesse sentido, exigem uma resposta conjunta dos 27 estados-membros. Afirmou, em conferência de imprensa, que “…a migração para a Europa é um desafio que requer uma solução europeia” e ainda que “são acções concretas que trazem as mudanças no terreno. E só através de solidariedade e união podemos conseguir alcançar [essas mudanças]”.

O jornalista alemão Maximilian Popp, que foi correspondente na Turquia da revista Der Spiegel e que é membro do Conselho Consultivo do colectivo “Humanidade em Acção”, publicou naquela revista, em Setembro de 2014, um artigo com o título “Um Olhar Interno À Vergonhosa Política de Imigração da EU”. Aí diz: “Quase não existe via legal para os refugiados na Europa”. Referindo-se aos cidadãos sírios, iraquianos e africanos, afirma: “Quem deseja pedir asilo na UE tem de chegar antes de forma ilegal em barcos de traficantes de pessoas, escondidos em camionetes ou em voos comerciais com passaportes falsos. Diz ainda que “A transformação da UE numa fortaleza criou as condições que causaram tantas mortes diante das suas fronteiras. Muitos refugiados escolhem a perigosíssima rota do Mediterrâneo porque a FRONTEX está continuamente a fechar as rotas terrestres”. Esta Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, criada em 2004, auto-designa-se como “…um centro de excelência para as actividades de controlo das fronteiras externas da UE, partilhando informações e conhecimentos especializados com todos os países da UE, bem como com países terceiros vizinhos afectados pelas tendências migratórias e pela criminalidade transfronteiras” e diz pretender “…apoiar os países da UE e do espaço Schengen na gestão das fronteiras externas da UE…”

“As fronteiras não são traçadas levando em conta as diferenças; as diferenças são buscadas, achadas ou inventadas em função de fronteiras que já tinham sido traçadas”

Zygmunt Bauman, filósofo

A FRONTEX, que conta com mais de dois mil agentes e um orçamento de 845,4 milhões de euros para 2023, é um verdadeiro organismo operacional da EU, com sede na capital da Polónia. Intervém, desde as fronteiras orientais até aos Balcãs Ocidentais, à Grécia e a Chipre e, fora da UE, na Moldávia, Sérvia, Montenegro e Albânia. É uma entidade com uma quantidade enorme de queixas e denúncias, onde parece existir um grave problema com a sua verdadeira missão. Os dados e a prática deixam transparecer uma autêntica guerra contra os migrantes. E onde nada é feito para proteger as pessoas ou denunciar quando há abusos, que são na maior parte dos casos, ignorados.

Em 2022, o director-geral da Agência, Fabrice Leggeri foi afastado com alegações de assédio, conduta imprópria, afastamento ilegal de migrantes e acusado de “desonestidade e má gestão“. Já em 2023, uma sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 2023, isenta a FRONTEX de “prestar contas” e de responsabilidade na forma como trata os cidadãos. Assim se esvai o direito internacional, nesta “união”, ao criar um “vazio de responsabilidade insustentável”, na opinião da Sociedade de Advogados holandesa Prakken d’Oliveira (Human Rights Lawyers).

No seu plano para “resolver” a questão, em consonância com a primeira-ministra italiana, a neo-fascista Giorgia Meloni, Ursula inclui a “…utilização da Frontex, para identificar os imigrantes que chegam à Itália e repatriar aqueles que não são elegíveis para asilo” e a intensificação “da vigilância marítima e aérea dos barcos de imigrantes”. Na sua opinião, tal “ajudará a reprimir os contrabandistas de pessoas”, que são gente sem escrúpulos que ganham milhares de milhões pondo as pessoas nas embarcações com ajuda de mentiras…”.

No entender do filósofo polaco Zygmunt Bauman, “As fronteiras não são traçadas levando em conta as diferenças; as diferenças são buscadas, achadas ou inventadas em função de fronteiras que já tinham sido traçadas”. Escreveu, em 2017, que existe “…um desejo fervente de procurar ou inventar diferenças como forma de legitimar à posteriori a presença de limites para justificar a mútua separação […] e a diversidade de códigos de conduta pensados para favorecer ou salvaguardar nada menos, e nada mais, que muros de concreto de quatro metros de altitude, alambrados e prisões ou acampamentos que aguardam os intrusos”.

Mesmo que isto seja de difícil compreensão para Ursula, impunha-se-lhe uma atitude de respeito e humanidade para o que se passa na selva que o espaço europeu significa para os cidadãos, obrigados a fugir de situações adversas, provocadas em grande parte pelas políticas violentas de agressão da própria UE. Para esta, dirigida por pessoas como Ursula, apenas existem hoje refugiados tidos como “iguais a nós”. Sabemos quem são e de onde vêm. Ursula apenas brilha no “altar” das ilusões menores da meia dúzia de burocratas que dizem representar um espaço comum que é dos cidadãos e não da sua vontade.

Ao falar de refugiados não esquecemos Lesbos. Os habitantes da ilha grega diziam, em 2015, “As pessoas não querem nadar onde outros se afogam”, furiosos com o governo e com a UE. A vergonha de uma Europa incapaz de lidar com situações destas, continua. E agrava-se de dia para dia. As respostas de Ursula estão na repressão e nos procedimentos discriminatórios e, muitas vezes, racistas. São bem o espelho desta Presidente e desta “união”.

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Alfredo Soares-Ferreira
Engenheiro e Professor aposentado. Consultor e Perito-Avaliador de Projectos nacionais e internacionais para o Desenvolvimento e Cooperação.

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