Uma ode visual e emocional à memória coletiva

Por Raquel Azevedo *

A série “Daqui Houve Resistência”, atualmente em exibição na RTP2, é um dos projetos audiovisuais mais marcantes dos últimos anos em Portugal. Produzida por Rodrigo Areias — reconhecido pelo seu trabalho autoral e rigor estético — a obra mergulha com sensibilidade e profundidade numa das páginas menos conhecidas, mas fundamentais, da história da resistência antifascista portuguesa. Com uma realização apurada e um elenco de excelência, a série transforma a cidade de Guimarães num verdadeiro protagonista da memória.

Situada numa das mais belas e simbólicas cidades do Minho, a série parte da geografia afetiva e histórica de Guimarães para reconstituir, de forma delicada mas firme, os gestos de resistência ao Estado Novo. Não se trata apenas de um registo histórico: é uma evocação sensível da coragem, da clandestinidade, do medo e da esperança de mulheres e homens que ousaram sonhar com a liberdade. A série convoca a história sem a transformar em museu; pelo contrário, faz dela matéria viva, urgente e poética.

O trabalho de Rodrigo Areias, conhecido também pelo seu envolvimento com o cinema independente e por uma abordagem estética sempre inventiva, revela-se aqui maduro e comovente. A realização é pontuada por uma direção de fotografia que valoriza a luz natural, os espaços reais e os silêncios – elementos que reforçam o sentimento de intimidade e de respeito pela memória das pessoas comuns que fizeram história.

O elenco reúne algumas das vozes mais marcantes da representação contemporânea portuguesa. As interpretações, intensas mas contidas, dão corpo a personagens construídas com subtileza, emoção e humanidade. Destacam-se os desempenhos que não cedem ao dramatismo fácil, preferindo a construção de figuras complexas, muitas vezes dilaceradas entre o dever e o medo, entre a resistência e o risco.

“Daqui Houve Resistência” é, além de uma homenagem aos resistentes do Minho, uma poderosa ferramenta de reflexão para as novas gerações. Em tempos de revisões perigosas da História e de crescimento dos discursos autoritários, esta série relembra a importância da memória como exercício coletivo de cidadania. Através da arte, recupera-se o valor da desobediência civil e da coragem quotidiana de quem se recusou a ceder ao silêncio e à opressão.

Guimarães, como cenário e símbolo, é aqui também elevada a um estatuto quase mítico. As ruas de pedra, as casas antigas, os sons e os ecos da cidade contribuem para a atmosfera única da série, onde o passado e o presente dialogam em cada imagem. Mais do que um retrato histórico, a série oferece um espelho onde se pode reconhecer a força transformadora da ação humana.

Com uma produção cuidada, uma abordagem estética ousada e um compromisso ético com a história, “Daqui Houve Resistência” afirma-se como uma obra necessária e inesquecível. Uma série que, mais do que contar o passado, o faz pulsar no presente — e, com isso, cumpre uma das mais nobres funções da arte: lembrar-nos quem somos e de onde vimos. 

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Raquel Azevedo
* Raquel Azevedo é técnica multimédia, produtora, activista sindical e cinéfila.

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