Inês Moreira dos Santos *
Comecemos pelo fim.
No caso de violação de Giséle, comecemos pelos violadores.
Porque a vergonha tem de mudar de lado.
Foram todos julgados.
Foram todos culpados.
Não houve absolvições.
Os nomes dos 51 violadores de Gisèle Pélicot:
Dominique Pélicot
Jean-Pierre Marechal
Joseph Cocco
Didier Sambuchi
Patrick Aron
Jacques Cubeau
Hugues Malago
Andy Rodriguez
Jean-Marc Leloup
Saifeddine Ghabi
Simone Mekenesse
Philippe Leleu
Paul Grovogui
Ludovick Blemeur
Mathieu Dartus
Quentin Hennebert
Patrice Nicolle
Husamettin Dogan
Cyrille Delville
Nizar Hamilda
Redouane El Fahiri
Boris Moulin
Cyril Baubis
Thierry Postat
Omar Douiri
Jean Tirano
Mahdi Daoudi
Ahmed Tbarik
Redouane Azougagh
Lionel Rodriguez
Florian Rocca
Grégory Serviol
Abdelali Dallal
Adrien Longeron
Cyprien Culieras
Karim Sebaoui
Jean-Luc La
Christian Lescole
Thierry Parisis
Nicolas Francois
Cendric Venzin
Joan Kawai
Vincent Coullet
Fabien Sotton
Hassan Oamou
Charly Arbo
Cédric Grassot
Jérôme Vilela
Dominique Davis
Mohamed Rafaa
Romain Vandevelde
Quem são estes homens, de que maneira foram educados, que raio de gente criminosa é esta que vive no meio de nós, que tipo de pessoas são estas capazes de cometer uma das maiores atrocidades contra outro ser humano? São criminosos, e o crime que cometeram é uma manifestação do patriarcado. A cultura da violação em todo o seu esplendor. O nojo em forma de pessoa. Quero dizer que são monstros, mas monstros humanos, conscientes do que estavam a fazer. Que tipo de pessoa quer ter relações sexuais com alguém inanimado? Que desejo se pode ter por um corpo com alguém adormecido dentro dele? As mulheres são objectos para este tipo de pessoas: são só um buraco onde enterram a sua podridão em forma de sexo não consentido.
Parece que a responsabilidade de tudo de mau que acontece no mundo é das mulheres, somos todas Eva no paraíso a comer a maçã. Somos todas velhacas, a origem de todo o mal. O ódio às mulheres, e ao que elas representam, anda por aí. A cultura de violação existe, e ajuda os criminosos a justificar os seus atos, a justificar perante a lei, a justificar perante o mundo. A mulher, a mulher que provoca, com a mini-saia, o decote, a bebedeira. Ele meteu-se contigo? Não vestisses essa mini-saia. Ele bateu-lhe? Também porque raio ela tinha de se comportar assim. Estava a pedi-las. Foi para o quarto com ele, o que é que ela queria que acontecesse? A mulher tem de ser recatada, fada do lar, não sair de casa a não ser pela mão do homem. Liberdade? Só nos querem proteger. Proteger de quem? Dos homens maus. Então se deixarem de existir homens maus deixamos de precisar de proteção. E se uma mulher estiver alcoolizada? Isso dá o direito a alguém de a violar? De a forçar a alguma coisa? E se a mulher estiver a dormir? Como a podem responsabilizar? Como podem desculpar um homem que viola uma mulher a dormir? O problema nunca esteve na vítima de violação, mas sim no criminoso que a viola. Esteja a mulher como estiver, seja a mulher quem for.
A violação é um crime hediondo e que merece uma pena alta – Artigo 164º do Código Penal
1 – Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado
inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa: a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; é punido com pena de prisão de três a dez anos.
2 – Quem, por meio não compreendido no número anterior, constranger outra pessoa: a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.
Gisèle Pelicot é uma heroína e quis mostrar ao mundo a cara de todos os criminosos que a violaram. Drogada, a dormir, foi violada por homens comuns. Com mazelas que ficarão para o resto da vida. 51 homens foram condenados, incluindo o promotor: o marido. Gisèle é um símbolo do movimento feminista, o movimento que tenta colocar a culpa no devido lugar, que luta contra a cultura de violação, disse que “A vergonha tem de mudar de lado!” Ao fazê-lo, Gisèle Pélicot, disse que não era culpada de nada. Podiam inventar o que quisessem, Giséle sabia que era inocente e provou isso ao mundo muito antes da sentença ser proferida. Tornou-nos testemunhas de tudo o que se passou naquela sala de audiências e fez-nos a todos testemunhas da sua coragem.
Durante cerca de 10 anos, Dominique Pélicot, drogou-a e recrutou dezenas de homens que a violaram enquanto estava drogada, e não contente com o nojo da cena ainda filmou tudo. Ou seja, homens que julgam que as mulheres são objectos, cometeram várias atrocidades contra uma mulher, de seu nome Giséle. Digo-o e escrevo-o muitas vezes para que não se esqueçam. Gisèle Pélicot tinha outros planos para a catástrofe criminosa que se abateu sobre ela. Rodeada dos familiares, filhos e netos do promotor de todos os crimes, deixou de lado o papel de vítima e quis tornar o seu caso num caso de encorajamento a todas as vítimas de violência de género. E conseguiu. Se fazem mal a uma mulher, essa mulher deve expor com toda a clarividência o que lhe aconteceu. Ninguém quis saber das estratégias de manipulação que os criminosos usam, como tentar atirá-la para a lama por fazer nudismo. Velhas técnicas do sistema patriarcal.
Gisèle Pélicot tem a força de um furacão, nunca baixou a cabeça, nunca se escondeu, nunca teve vergonha, essa vergonha que assola tantas vítimas de violência sexual – e que é também compreensível – é idosa e estava drogada na sua própria casa. Os criminosos dirigiram-se a casa dela para violá-la. Não há nada nesta história que possa servir de argumento aos criminosos. Ela nunca fez nada, rigorosamente nada. Ainda que nenhuma vítima faça nada para pedir um crime contra si. Não há saia curta, ou álcool, ou ida para o quarto, que sirva de argumento para um caso de violação. Os advogados dos acusados ainda tentaram usar a histeria feminista e a saúde mental desta mulher para atacá-la, mas em vão.
Ganhou Giséle.
Ganhámos todas.
Que os braços que a apoiaram durante o julgamento estejam lá para ela sempre.
Esta mulher é força, é um exemplo para todos.
Ode a si, Giséle.
[Imagem: ChristopherSimón/Flickr]
É um comportamento tão hediondo, tão perverso e desumano que nem sequer dar para lhes chamar animais, porque os ditos irracionais não têm comportamentos destes.
Não se pode dizer que o maior criminoso desta trama insana, o marido, seja um homem normal. Mas não se pode perdoar estes atentados à dignidade humana que duraram dez anos, porque é louco, portanto, inimputável. Os loucos perigosos também devem ser encerrados.
A humanidade tem que se defender deles.