Alfredo Soares-Ferreira *
No universo das perguntas e respostas, estabelecido pela Ciência, existem postulados, regras e princípios, que convivem de forma faseada com os processos de desenvolvimento da sociedade, instituindo marcos significativos e contribuindo para a inovação e suas aplicabilidades práticas. Muito embora a ciência estude os algoritmos desde Eratóstenes e Euclides, o termo “algoritmo” começa a entrar na linguagem comum há muito pouco tempo, diríamos que apenas no eclodir deste século. Até aqui apenas fazia parte das ciências da computação, muito concretamente, nas linguagens de programação. O termo surge por volta do ano 825 d.C. e a autoria é atribuída ao matemático e astrónomo persa Muḥammad Al-Khwārizmī, sendo possível encontrá-lo no relacionamento com o sistema de numeração decimal indiano e tendo como referência um tratado designado “Algorithmi De Numero Indorum”, redigido depois no século XII. O seu conteúdo é considerado um marco na transição cultural e matemática entre o mundo islâmico e a Europa, englobando as operações aritméticas básicas e o uso do sistema posicional. A sua difusão na Europa medieval contribuiu para a substituição gradual dos números romanos, facilitando cálculos complexos e impulsionando o comércio e a ciência.

Um algoritmo é, em Matemática, um conjunto sistemático e finito de instruções ou regras destinadas a realizar uma operação, ou para resolver um problema específico. Decerto nos lembramos dos mais simples, como por exemplo o da divisão ou do cálculo da raiz quadrada. Nas ciências da computação, é um procedimento ou uma sequência de passos (acções executáveis) que transformam um valor de entrada (input) num valor de saída (output), que constituirá solução para um problema. Hoje em dia o seu significado é muito mais amplo, estendendo-se ao modo de vida das sociedades, ao escolher, por exemplo, para cada utilizador, os filmes que deve ver, o prato que deve comer, ou o crédito que deve contrair, mediante o tratamento que é feito dos dados pessoais. Nessa asserção, o algoritmo, entendido como “procedimento passo a passo” entra no campo de escolhas do cidadão. Isto acontece com a utilização de dados pessoais, moldando de forma enviesada as escolhas de cada um, porque a designada “revolução digital” terá procurado transformar o algoritmo num símbolo de poder, orientado para as grandes fortunas e as grandes empresas. Um Autor que antecipou a lógica algorítmica como mecanismo de controle social foi Gilles Deleuze, que, num escrito de 1990, “Post-Scriptum sobre as Sociedades de Controle“, fala do marketing como instrumento de controle social, um controle de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado. Por seu lado, o jurista e activista político norte-americano Eli Pariser escreveu em 2011 o livro “The Filter Bubble: What the Internet Is Hiding from You“, onde aborda os algoritmos como criadores de bolhas de informação e polarização e mostra como podem ter um efeito perverso na segregação informativa e também cultural e no empobrecimento do debate público.
Um dos algoritmos mais perversos da pós-modernidade poderá ser o que designamos como o algoritmo da moderação. O que hoje é entendido como “moderação”, no universo político-partidário é a atitude e a prática das chamadas “forças moderadas”, um epíteto com que se auto-intitulam os partidos do centrão político, para assim se afastarem do que designam os extremos, incluindo aí a extrema-direita e o que classificam de extrema-esquerda. Sabendo que esta não existe (ou praticamente não tem expressão) na actual Europa, o que acontece é que as tais “forças moderadas” excluem, na prática, a Esquerda e os seus partidos e representantes. No nosso País, o Partido Socialista utiliza frequentemente a dita expressão, colando-se de tal forma à Direita, que por vezes é difícil perceber onde está a diferença para o PSD, com o qual admite assinar “acordos de regime”, a figura mais evidente do entendimento, que é primeira causa do ascenso do fascismo que ambos dizem abjurar.
Por trás de cada algoritmo, há pessoas com valores e interesses diversos.
Assim se institui o algoritmo da moderação, que podemos exemplificar. Um utilizador das “forças moderadas” escreve “PCP, BE e Livre são extremistas”, “odeio extremistas”. De seguida, o algoritmo detecta as palavras “PCP”, “BE”, etc.…, e o contexto do grupo específico. Ao detectar as palavras “odeio” e “extremistas”, o sistema considera-as como discurso de ódio e bloqueia o conteúdo. O apelo à moderação, no nosso País e nos outros países europeus, consubstancia um modelo pré-construído a partir de um pressuposto errado, embora supostamente centrado na rejeição dos fascismos emergentes. Contudo, é o modelo em si que falha, precisamente devido a duas razões determinantes. A primeira diz respeito ao facto de existir uma perspectiva ficcionista, com narrativas que sustentam um suporte para enfrentar um pretenso caos, de que são exemplos a política da troika e a da “guerra santa” contra a Rússia. A segunda entronca num messianismo, centrado numa figura, ou num evento, cuja existência transcende a realidade imediata, operando no plano simbólico, sendo bons exemplos os líderes europeus, eleitos ou não-eleitos e a actual super-estrutura burocrática da designada “união europeia”. Ambas actuam, separadamente ou em conjunto, favorecendo o que dizem querer afastar, uma vez que o modelo contém dentro de si todos os genes da extrema-direita. Entretanto, a dita “moderação” apenas serve para tentar conter a luta de classes e perpetuar todas as desigualdades. E para, directa ou indirectamente, contribuir para o fortalecimento dos fascismos, nazismos e outros movimentos da extrema-direita.
Por trás de cada algoritmo, há pessoas com valores e interesses diversos. Na ciência e na tecnologia existem trabalhadores que se dedicam a produzir mecanismos e processos tendentes a facilitar a resolução de um dado problema. Na vida coexistem construções sociais e mentais com interesses contraditórios. A tentativa de elaborar algoritmos que nos controlam não é, de forma alguma, uma tarefa inocente. As coligações dos partidos centristas que dominam o espaço europeu são de momento o melhor contributo para a proliferação dos discursos extremistas de direita. A convivência exaustiva com este algoritmo, inimigo dos espíritos livres, é prejudicial e pode eventualmente provocar danos irreversíveis.
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