Manifesto pelo Fim da Pobreza

Por Inês Moreira dos Santos *

Como Martin Luther King disse: eu tenho um sonho. E, como disse António Gedeão: Sempre que um homem, no caso, mulher, sonha, o mundo pula e avança. Eu, cidadã do mundo, tenho esta convicção: a dignidade humana deve ser universal, a erradicação da pobreza e da construção de um futuro mais justo, inclusivo e sustentável é uma necessidade. A pobreza não é uma fatalidade. Ela não é um destino imutável, nem um fenómeno natural ou inevitável. A pobreza é, antes de tudo, o produto de um sistema económico, político e social que falha em garantir a todos os indivíduos as condições necessárias para uma vida plena de dignidade, liberdade e oportunidades. É o resultado de escolhas políticas que perpetuam a desigualdade e que permitem que uma parte significativa da população mundial continue a viver em condições sub-humanas, sem acesso a necessidades básicas, como alimentação, saúde, educação e habitação.

É inaceitável que em pleno século XXI, num mundo com recursos abundantes, a pobreza continue a ser uma realidade presente no dia a dia de bilhões de pessoas. A disparidade crescente entre os mais ricos e os mais pobres não é apenas uma questão económica, mas um reflexo de falhas estruturais profundas que negam a justiça, a solidariedade e a equidade. A pobreza não é apenas a falta de dinheiro, mas a ausência de escolhas, de oportunidades, de acesso ao desenvolvimento humano integral. É a falta de um teto seguro, da proteção da saúde, da educação de qualidade, da capacidade de trabalhar em condições dignas e de contribuir para o bem-estar coletivo. A pobreza é uma praga que atinge a educação, a saúde, a segurança e, sobretudo, os direitos humanos.

A pobreza está entrelaçada com a desigualdade. Não escolhe aleatoriamente, mas afeta, de maneira desproporcional, grupos historicamente marginalizados, como mulheres, crianças, trabalhadores, minorias raciais e étnicas, etc. Essas desigualdades estruturais, construídas ao longo de séculos, não podem ser ignoradas se realmente desejamos um futuro livre de pobreza. A pobreza e a desigualdade estão intimamente ligadas às estruturas de poder. O sistema económico global, ao dar prioridade ao lucro e à acumulação de riqueza por uma pequena elite, concentra os recursos nas mãos de poucos, enquanto a maioria da população é mantida à margem das grandes decisões e do acesso aos recursos essenciais. A crise climática, as guerras, a corrupção e as políticas neoliberais têm alimentado este ciclo de pobreza, exacerbando a vulnerabilidade de populações inteiras.

Se queremos erradicar – e, chamem-me sonhadora, mas não vejo este objectivo como utópico – a pobreza, é necessário adotar uma abordagem holística e integrada. Isso significa que não basta promover políticas públicas fragmentadas, mas sim criar um sistema que permita a equidade em todas as dimensões da vida humana. Devemos garantir que todos, independentemente de sua origem ou status, tenham acesso a:

● Educação de qualidade: O direito à educação é o primeiro passo para a construção de um futuro sem pobreza. Investir em educação básica e técnica, mas também em oportunidades contínuas de aprendizagem e desenvolvimento, é a chave para permitir que as pessoas possam melhorar suas condições de vida, gerar emprego e contribuir para a economia. A educação deve ser universal, gratuita, acessível e adaptada às necessidades do século XXI.

● Saúde universal e acessível: A saúde é um direito básico e essencial para a dignidade humana. Deve-se garantir o acesso a serviços de saúde de qualidade para todas as pessoas, independentemente da sua classe ou localização geográfica. Além disso, políticas públicas devem ser implementadas para prevenir doenças e promover o bem-estar, com ênfase na saúde mental, que tem sido frequentemente negligenciada.

● Trabalho digno e remunerado: O trabalho deve ser um meio de emancipação e não de exploração. Garantir condições de trabalho seguras, com remuneração justa e direitos de trabalho protegidos, é fundamental para quebrar o ciclo da pobreza. Devemos também assegurar que todos tenham acesso a oportunidades de emprego e, quando necessário, a programas de capacitação.

● Habitação digna e acessível: O direito à habitação deve ser respeitado como uma necessidade humana fundamental. Nenhuma pessoa deve ser forçada a viver nas ruas ou em condições precárias. A construção de cidades inclusivas, acessíveis e sustentáveis, com infraestrutura básica adequada, é uma prioridade urgente para acabar com a pobreza.

● Proteção social: Sistemas de segurança social eficientes, que garantam uma rede de proteção para os mais vulneráveis, são essenciais para prevenir que as pessoas caiam novamente na pobreza. O acesso a uma reforma digna, a seguros de saúde, e a programas de apoio a desempregados ou em situação de vulnerabilidade são medidas fundamentais para garantir a estabilidade e a segurança de todos os cidadãos.

Aquecimento global. Imagem Jcomp/Freepik

Erradicar a pobreza é um compromisso global, que exige a cooperação entre todos os setores da
sociedade. É necessário que os governos, as organizações internacionais, as empresas e os
cidadãos assumam a responsabilidade de transformar as estruturas que perpetuam a pobreza e a
desigualdade. As políticas públicas devem ser baseadas nos princípios da justiça social, da
solidariedade internacional, da igualdade de género e da promoção dos direitos humanos.

Convoco, portanto, o nosso governo a adoptar medidas concretas para a erradicação da pobreza, garantindo que as políticas económicas e sociais priorizem o bem-estar de toda a população, especialmente dos mais vulneráveis. É preciso reformar as políticas fiscais, garantindo que os impostos sejam justos e redistribuídos de maneira equitativa. Além disso, é urgente a implementação de políticas que promovam a sustentabilidade ambiental, uma vez que a pobreza e a degradação ambiental estão intrinsecamente ligadas. As empresas também têm um papel crucial neste processo. Devem adotar práticas empresariais responsáveis e sustentáveis, promover a inclusão social e garantir que seus modelos de negócio contribuam para o bem comum. A responsabilidade corporativa não deve ser apenas uma questão de imagem. É essencial que todos os cidadãos e cidadãs se envolvam ativamente neste processo. Erradicar a pobreza é uma missão coletiva, que exige a solidariedade e o compromisso de cada um de nós. Precisamos educar, sensibilizar e mobilizar as pessoas, para que possam exigir dos seus governantes e instituições o compromisso real com a justiça social e a igualdade.

Por um futuro sem pobreza.
Por um mundo onde todos possam viver com dignidade, liberdade e oportunidades.
Onde a riqueza seja partilhada e a desigualdade abolida.
Onde o bem-estar coletivo prevaleça sobre os interesses egoístas de poucos.

Por isso, afirmo: a pobreza deve ser erradicada.

E com ela, as estruturas de opressão, de exploração e de desigualdade.

About the Author

Ines Moreira dos Santos
* Nascida e criada no Ribatejo, rumou a Lisboa, e por lá se licenciou em Psicologia. Fez d´O Segundo Sexo o seu livro de cabeceira e do avô o seu herói. Mãe de três, ativista a tempo inteiro, colunista. Fascinada pelo mundo e pelas pessoas que nele habitam. Acredita na igualdade e sonha com um país onde se cumpra a Constituição.

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