“Little Bird” e a luta dos povos indígenas

Por Raquel Azevedo *

A série “Little Bird” aborda uma temática profundamente emocional e histórica, explora  as consequências da remoção forçada de crianças indígenas de suas famílias no Canadá. A história segue Bezhig Little Bird, uma mulher indígena que, quando criança, foi retirada de sua família e adotada por uma família judaica em Montreal. Ao longo da narrativa, ela embarca em uma jornada para reencontrar suas origens, reconstruindo sua identidade e enfrentando as cicatrizes do passado. A série, inspirada em eventos reais, faz uma crítica direta às políticas de assimilação forçada e destaca a resiliência dos povos indígenas na busca pela conexão com suas raízes.

A história de Bezhig reflete a realidade de milhares de crianças indígenas que foram separadas de suas famílias como parte de políticas estatais, como o Sixties Scoop no Canadá e programas similares nos Estados Unidos. Durante décadas, essas políticas procuraram assimilar crianças indígenas na cultura euro-americana, afastando-as de suas tradições, línguas e valores culturais. No entanto, a perda da conexão familiar e comunitária resultou em graves impactos psicológicos, emocionais e espirituais para gerações de indígenas.

A conexão com a família e a comunidade é um pilar fundamental para a identidade indígena. As culturas indígenas valorizam profundamente a coletividade, a transmissão oral do conhecimento e o pertencimento a um grupo maior do que o indivíduo. As crianças aprendem com seus avós, tios e pais não apenas sobre sua genealogia, mas sobre a espiritualidade, o respeito pela terra e os modos de vida ancestrais. A separação forçada destruiu essa continuidade cultural, gerando sentimentos de isolamento e perda de identidade entre aqueles que foram levados.

A perseguição dos povos indígenas no Canadá e nos Estados Unidos

Os povos indígenas do Canadá e dos Estados Unidos foram alvos de perseguição desde a colonização europeia. Tratados foram frequentemente quebrados, terras foram confiscadas e comunidades inteiras foram deslocadas à força. No século XIX e XX, políticas governamentais, como as escolas residenciais no Canadá e os internatos indígenas nos Estados Unidos, procuraram erradicar as culturas indígenas, proibindo as crianças de falarem suas línguas e praticarem suas tradições.

O Sixties Scoop, que ocorreu entre as décadas de 1960 e 1980, foi uma das formas mais cruéis de assimilação. Milhares de crianças indígenas foram retiradas de suas famílias e colocadas em lares de não indígenas, muitas vezes em ambientes onde enfrentaram discriminação e abuso. Esse trauma geracional ainda tem repercussões significativas nas comunidades indígenas, afetando sua saúde mental, económica e social.

Apesar desse passado sombrio, as comunidades indígenas continuam lutando pela revitalização de suas culturas. Línguas indígenas estão sendo recuperadas, práticas espirituais estão sendo resgatadas, e movimentos de reconexão familiar, como os retratados em “Little Bird”, mostram a força e resiliência dessas comunidades.

A série “Little Bird” não apenas narra uma história individual de busca por identidade, mas também ilumina uma luta coletiva dos povos indígenas por justiça e reconhecimento. A conexão com a família e a comunidade é um passo essencial para curar as feridas do passado e garantir que futuras gerações possam crescer com orgulho de sua herança. O impacto dessas políticas de assimilação forçada ainda é sentido hoje, mas a resistência e resiliência dos povos indígenas demonstram que suas culturas, apesar de perseguidas, continuam vivas. 

[“Little Bird”, série de tv, documentário, Canadá 2023. Guião: Ernest Webb, Catherine Bainbridge, Jennifer Podemski. Realização: Elle-Máijá Tailfeathers. Vencedora do Prix Écran Canadiens. Disponível em Prime Video e Apple TV.]

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Raquel Azevedo
* Raquel Azevedo é técnica multimédia, produtora, activista sindical e cinéfila.

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