Francia e Lopez: Paraguai e o desenvolvimento

Este artigo, do Repositório, aborda parte da história da América Latina e em particular Paraguai, Brasil e Argentina, mas também Espanha e Portugal. A História é essencial para compreender o presente, compreender o que nos acontece e porque nos acontece, e esta abordagem pertence ao campo sócio-político. Não se trata de criar ressentimentos, mas sim de promover a compreensão e a cooperação.

Por José Yorg, o cooperário *

“Aos poucos, o estatuto do colonialismo será reconstruído, reduzindo o nosso povo à miséria, frustrando os grandes ideais nacionais e humilhando-nos nas condições de país satélite”, advertiu-nos com razão Dom Arturo Jauretche em 1955. Sim, aquele escritor e político argentino, mas acima de tudo um grande homem com sensibilidade social.

Assim, contamos com esse alerta para configurar o cenário imediato para o genocídio denominado “Tríplice Aliança”, que pôs fim ao único processo verdadeiramente autónomo e independente da América Latina aninhado em seu coração: o Paraguai.

O processo socioeconómico iniciado e desenvolvido no Paraguai desde 1811 até à sua destruição total em 1870, foi sustentado sob princípios científicos avançados de política económica, na medida em que contribuiu para a construção de uma ordem social superior na escala evolutiva da organização política da humanidade.

Chegamos a estas conclusões declaradas após realizarmos uma análise severa com a ciência que examina o modelo de produção capitalista que contrasta frontalmente com outros modelos, por exemplo, com o modelo cooperativo e sem falar no modelo socialista.

As ideias socialistas que surgiram na Europa no final do século XVIII e início do século XIX, como reacção às calamidades e ruínas perpetradas pelo industrialismo nascente, base material do capitalismo e que modificou a sociedade, adaptando-a a ele, não passou, porém, despercebido ao Dr. Francia, um homem de apetite intelectual insaciável que decidiu colocar em prática esses sonhos de economia social.

Casa Museu Dr. José Gaspar Rodríguez de Francia.

Ideias e aspirações sociais e cooperativas que germinaram em solo paraguaio na época colonial através da união de duas correntes culturais amalgamadas: a jesuíta-guaranítica, que deu firme apoio à grande obra que posteriormente empreendeu o Dr. José Gaspar Rodríguez de Francia.

Se compararmos as medidas políticas económicas adaptadas em defesa da nação paraguaia, em sua aplicação interna e depois no campo externo, perceberemos perfeitamente a sua necessária correspondência com o objectivo de construir uma pátria livre, soberana e justa num contexto turbulento, e agressivo a essa experiência por ter um caráter contrário às ideias liberais da época.

Como sobreviver num mundo desenvolvido sob leis cuja lógica de relacionamento é a dupla saqueador-saqueado? Como subir para um estágio superior de organização económico-social e política que elimine as desigualdades?

Desafios enfrentados pela família López e pela feroz Dra. Francia

O Estado Independente Paraguaio, diante da economia capitalista mundial, adotou uma postura empresarial de dimensões magnânimas, pois importava e exportava mercadorias, adquiria tecnologias externas, contratava técnicos e engenheiros industriais e os enviava ao exterior para realizar estudos de especialização em diversos ramos do conhecimento. Visava montar uma nação industrial, depois de superar as relações económicas feudais existentes.

Assumiram a gigantesca tarefa de desenvolver e executar um modelo de produção organizado e planeado, evitando o desenvolvimento económico anárquico e com uma orientação clara para favorecer as grandes maiorias e não a favor das castas, que por sua vez serviam aos poderes da frente externa.

O Estado paraguaio do Dr. Francia e da família López foi uma entidade política em permanente evolução que passou por etapas, como o isolamento, o protecionismo e a abertura com controle, cada um desses vínculos económico-políticos respondeu à necessidade que exigia, justamente, enfrentando um contexto adverso. Os resultados colocaram o Paraguai com uma estrutura industrial desenvolvida e incomparável no continente e, no entanto, como já destaquei em outro artigo, revela-se que o Paraguai hoje está mais atrasado – comparativamente – do que então… Como é possível, pergunto novamente.

Dr. Francia, óleo sobre tela de Fidel Fernandes.

Esse processo industrial baseado no trabalho colectivo não ficou imune a intrigas internas e externas: Inglaterra, Espanha, Portugal, etc. aspiravam atrasar e destruir este modelo cooperativo porque imaginavam um concorrente sério na produção e comercialização globais.

A importância inegável dessas experiências – para além do resultado – reside no fato de que os governos do Dr. Francia e depois o da família López (D. Carlos Antonio López e mais tarde Francisco Solano López) constituíram laboratórios sociais que monitoraram e demonstraram novas bases de organização e administração da sociedade, na busca do aperfeiçoamento humano em sua relação igualitária e equitativa.

O presente histórico é desanimador, o infortúnio maioritário não foi resolvido apesar do extraordinário progresso científico e tecnológico alcançado, pelo contrário, agravou-se a ponto de levar à extinção da espécie humana devido à destruição da natureza, nosso único habitat.

A história das ideologias não terminou, porque persiste o problema fundamental: a injustiça social.

E à medida que a humanidade continua incansavelmente na sua busca pela construção de um mundo melhor, pode ser que esta experiência truncada encontre mentes e corações receptivos que, encarnados num grande movimento político, reiniciariam esse processo, não começariam do zero, pois têm um histórico formidável de sucessos e erros que os iluminarão.

A perspectiva de organizar a produção e distribuição de riqueza numa base cooperativa, a fim de construir sociedades que superem o canibalismo económico, adquire grande estatura, não só moral, mas também científica. É por isso que somos encorajados a afirmar que… o Dr. Francia e os López avançaram na política socioeconómica!

Em fraternidade, um abraço cooperativo!

About the Author

Jose Yorg
José Yorg é educador e docente técnico em Cooperativismo, membro da Rede de Investigadores Latinoamericanos de Economia Social e Solidária (RILESS), que envolve universidades da Argentina, Brasil, Equador e México. Este argentino nascido em Assunción (Paraguay) desenvolve actividades na Tecnicoop, na província de Formosa, onde é também perito judicial técnico em Cooperativismo no Superior Tribunal de Justiça.

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