O Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo Contingente de Reservas (CRA) conseguirão cumprir sua missão original com a chegada da nova presidente do banco, Dilma Rousseff?
Por Marco Fernandes/Pressenza *
O primeiro evento da tão esperada visita do presidente Lula da Silva à China em Abril de 2023 é a cerimónia oficial de posse de Dilma Rousseff como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (popularmente conhecido como Banco BRICS) em 13 de abril. De ex-presidente do Brasil ao cargo que agora assume, essa cerimónia demonstra a prioridade que Lula dará aos países do BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) em seu governo. Nos últimos anos, o BRICS vem perdendo um pouco de seu dinamismo. Um dos motivos foi o recuo do Brasil – que sempre foi um dos motores do grupo – em uma escolha feita por seus governos de direita e extrema-direita (2016-2022) de se alinhar aos Estados Unidos.
Um novo impulso para os BRICS?
Após a última reunião de cúpula em 2022, sediada em Pequim e realizada online, a ideia de expandir o grupo foi fortalecida e espera-se que mais países se juntem ao BRICS este ano. Três países já se inscreveram oficialmente para ingressar no grupo (Argentina, Argélia e Irã), e vários outros já estão considerando publicamente fazê-lo, incluindo Indonésia, Arábia Saudita, Turquia, Egito, Nigéria e México.
Os países do BRICS ocupam um lugar cada vez mais importante na economia mundial. No PIB PPC, a China é a maior economia, a Índia é a terceira, a Rússia é a sexta e o Brasil é o oitavo. Os BRICS agora representam 31,5% do PIB global PPC, enquanto a participação do G7 caiu para 30%. Espera-se que contribuam com mais de 50% do PIB global até 2030, com a ampliação proposta quase certamente antecipando isso.
O comércio bilateral entre os países do BRICS também cresceu de forma robusta: o comércio entre Brasil e China vem batendo recordes todos os anos e chegou a US$ 150 bilhões em 2022; entre Brasil e Índia, houve um aumento de 63% de 2020 a 2021, chegando a mais de US$ 11 bilhões; A Rússia triplicou as exportações para a Índia de abril a dezembro de 2022 em comparação com o mesmo período do ano anterior, expandindo para US$ 32,8 bilhões; enquanto o comércio entre a China e a Rússia saltou de US$ 147 bilhões em 2021 para US$ 190 bilhões em 2022, um aumento de cerca de 30%.
O conflito na Ucrânia os aproximou politicamente. A China e a Rússia nunca estiveram tão alinhadas, com uma “parceria sem limites”, como ficou visível na recente visita do presidente Xi Jinping a Moscovo. A África do Sul e a Índia não apenas se recusaram a ceder à pressão da NATO/OTAN para condenar a Rússia pelo conflito ou impor sanções ao país, mas também se aproximaram ainda mais de Moscovo. A Índia, que nos últimos anos esteve mais próxima dos Estados Unidos, parece estar cada vez mais comprometida com a estratégia de cooperação do Sul Global.
O NDB, o CRA e as alternativas ao dólar
Os dois instrumentos mais importantes criados pelos BRICS são o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Arranjo Contingente de Reservas (CRA). A primeira tem por objetivo financiar diversos projetos de desenvolvimento – com ênfase na sustentabilidade – e é considerada uma possível alternativa ao Banco Mundial. O segundo poderia se tornar um fundo alternativo ao FMI, mas a falta de uma liderança forte desde sua inauguração em 2015 e a ausência de uma estratégia sólida dos cinco países membros impediram que o CRA descolasse.
Atualmente, uma das grandes batalhas estratégicas do Sul Global é a criação de alternativas à hegemonia do dólar. Como confessou o senador republicano dos Estados Unidos Marco Rubio no final de março, os Estados Unidos perderão cada vez mais sua capacidade de sancionar os países se eles diminuirem o uso de dólares. Quase uma vez por semana, há um novo acordo entre os países para contornar o dólar, como o recentemente anunciado por Brasil e China. Este último já tem acordos semelhantes com 25 países e regiões.
O projeto é chamado de R5
devido à coincidência de que
todas as moedas dos países BRICS
começam com R:
renminbi, rublos, reais, rúpias e rands.
Neste momento, existe um grupo de trabalho dentro do BRICS cuja tarefa é propor uma moeda de reserva própria para os cinco países que possa ser baseada em ouro e outras commodities. O projeto é chamado de R5 devido à coincidência de que todas as moedas dos países BRICS começam com R: renminbi, rublos, reais, rúpias e rands. Isso permitiria a esses países aumentar lentamente seu crescente comércio mútuo sem usar o dólar e também diminuir a parcela de suas reservas internacionais em dólares.
Outro potencial inexplorado até agora é o uso do Arranjo Contingente de Reservas (totalizando US$ 100 bilhões) para resgatar países insolventes. Quando as reservas internacionais de um país acabam em dólares (e ele não pode mais comercializar no exterior ou pagar suas dívidas externas), ele é forçado a pedir um resgate ao FMI, que se aproveita do desespero e da falta de opções do país para impor austeridade, pacotes com cortes nos orçamentos estatais e nos serviços públicos, privatizações e outras medidas de austeridade neoliberais. Durante décadas, esta foi uma das armas dos Estados Unidos e da UE para garantir a implementação do neoliberalismo nos países do Sul Global.
Neste momento, os cinco membros do BRICS não têm nenhum problema com as reservas internacionais, mas países como Argentina, Sri Lanka, Paquistão, Gana e Bangladesh se encontram em uma má situação. Se eles pudessem acessar o CRA, com melhores condições para pagar os empréstimos, isso significaria um avanço político para o BRICS, que começaria a demonstrar sua capacidade de construir alternativas à hegemonia financeira de Washington e Bruxelas.
O NDB também precisaria começar a se desdolarizar, tendo mais operações com as moedas de seus cinco membros. Por exemplo, dos US$ 32,8 bilhões em projetos aprovados até agora no NDB, cerca de US$ 20 bilhões eram em dólares, e o equivalente a US$ 3 bilhões em euros. Apenas $ 5 bilhões estavam em RMB e muito pouco em outras moedas.
Reorganizar e expandir o NDB e o CRA será um grande desafio. As lideranças dos cinco países precisarão estar alinhadas em uma estratégia comum que garanta que ambos os instrumentos cumpram suas missões originais, o que não será fácil. Dilma Rousseff, uma líder experiente e mundialmente respeitada, traz a esperança de um novo começo. Dilma Rousseff lutou contra a ditadura civil-militar do Brasil nas décadas de 1960 e 1970 e passou três anos na prisão por isso. Ela se tornou uma das principais ministras do presidente Lula nos anos 2000, foi eleita a primeira mulher presidente do Brasil e depois foi reeleita (2010 e 2014). Ela esteve no cargo até ser derrubada por um golpe com base em argumentos fraudulentos do Congresso (2016) – que já admitiu a fraude. Ela acaba de retornar à vida política para comandar uma das instituições mais promissoras do Sul Global. Afinal, a presidente Dilma Rousseff nunca se esquivou de grandes desafios.
* Marco Fernandes escreve para o Independent Media Institute (IMI), parceiro da Pressenza.