Os servilistas

Alfredo Soares-Ferreira *

Quando existe a tendência para limitar o uso da inteligência entramos no reino dos servilistas, uma espécie muito em voga nos tempos que correm. Ei-los, aqui e ali, prestando vassalagem, o tributo menor de quem não tem vontade própria, ou dela abdicou em tempo oportuno, em favor dos sátrapas, os modernos burocratas colectores, cujo poder adquiriu foros de importância desigual, conforme o país, ou região. Geralmente não são eleitos e frequentam os espaços do poder burguês, com figuras diversas, que vão desde o “modesto” influenciador ao administrador plenipotenciário, passando pelas funcionalidades mais bizarras, como consultor, conselheiro, delegado, secretário-geral e tantas outras. Para os servilistas, as únicas soluções válidas são as que os chefes determinam e, como tal, não são sequer questionáveis. A qualidade de servil está intimamente ligada a uma falta de dignidade, sendo suas manifestações, directas ou indirectas, a bajulação, a baixeza e, naturalmente, a submissão e a pequenez de espírito.

O escritor britânico nascido em França Joseph Hilaire Belloc publicou, em 1912, uma obra a que chamou “The Servile State” (“O Estado Servil”) onde aborda o servilismo, falando de um estado servil, no qual “aqueles que não detêm os meios de produção sejam legalmente obrigados a trabalhar para os que os detêm, em troca de uma subsistência segura”. Belloc afirma que, ou restauramos a “instituição da propriedade”, ou permanecemos na “instituição da escravidão”. O tradutor e activista norte-americano Hal Draper, publica em 1966 o interessante ensaio “The Two Souls of Socialism” (“As Duas Almas do Socialismo”). Reportando-se a Belloc, diz que terá sido um dos seguidores marxistas de base mais consequente, aquele que ama o ideal colectivista em si mesmo. Citado ainda por George Orwell como um dos homens que foi capaz de prever com notável perspicácia alguns dos acontecimentos da década dos anos trinta do século passado. Em 2010, com inspiração no livro de Belloc, o professor de ciência política australiano Kenneth Minogue escreve “The Servile Mind- How Democracy Erodes The Moral Life” (“A Mente Servil – Como a Democracia Corrói a Vida Moral”), uma análise do servilismo, na perspectiva da “fragilidade das esperanças” nos tempos modernos e onde discute a moral clássica presente na fundação da cultura ocidental.

Os servilistas de hoje estão unidos, na Europa onde vivemos, na defesa do ideal belicista e de obediência à super-estrutura militar e à agenda política dos EUA. O melhor exemplo de um servilista moderno é o actual presidente do Conselho Europeu António Costa que, logo após ter sido “escolhido para o cargo”, foi prestar vassalagem ao personagem que ocupa a presidência ucraniana, também ele “escolhido para o cargo”, em devido tempo, pelos norte-americanos. Um outro exemplo excelente é o senhor Mark Rutte, o intitulado secretário-geral da NATO, que não tem qualquer legitimidade eleitoral nem outro poder que não seja a representação dos chefes norte-americanos, mas que se passeia por todo o mundo, dando ordens e “recomendações” dos seus patrões. No topo da pirâmide está indubitavelmente uma outra personagem servil, neste caso concreto de grandes empresas farmacêuticas, a senhora presidente da “união”. Curioso, ou não, é o facto de nenhum destes servilistas ser eleito. São, na verdade, escolhidos exactamente por serem servis.

Os servilistas não conseguem, por qualquer limitação, compreender a realidade, ou, estão tão presos ao seu servilismo, que já não detêm um mínimo de pensamento próprio? Possivelmente castrados no seu raciocínio apenas parecem capazes de enumerar a narrativa elementar do pensamento único, uma “verdade” que diariamente vendem nos locais habituais, com particular destaque para os órgãos das grandes empresas de comunicação social. Contudo, as suas teses depressa caem por terra, tropeçam em qualquer contradição de momento como, por exemplo, aquela em que é difícil encontrar uma resposta à firme disposição do “chefe” americano em impor tarifas por todo o lado, enquanto os servilistas lhe continuam a prestar vassalagem. Yanis Varoufakis faz, a propósito, um excelente paralelo entre a transferência que o Império Romano fez da sua capital para Constantinopla para estender a sua hegemonia por mais um milénio, abandonando Roma aos bárbaros, com a transferência do “centro de gravidade do Ocidente para os Estados Unidos, deixando a Grã-Bretanha e a Europa à estagnação que as torna inertes, atrasadas e cada vez mais irrelevantes”. Apenas e só o servilismo, na sua forma mais pura e dura, esquecendo-se que que o Ocidente está desta forma, na sua opinião, a cavar a própria sepultura.

Os servilistas de hoje, como os vampiros de antanho, “Poisam nos prédios poisam nas calçadas”. No nosso País, vão seguindo a narrativa dos barcos russos que estão na costa e se preparam para tomar Lisboa, o ponto fulcral para conquista da Europa. Por mais ridícula que seja a ideia, acaba por prevalecer sobre os temas que importa abordar, apenas porque alguém de cima o afirmou. Utilizando de novo as palavras de Zeca Afonso, mesmo não sendo, “os mordomos do universo todo”, os servilistas são os fiéis intérpretes dos “Senhores à força mandadores sem lei”, os novos monstros do século, que detêm o Poder nas “democracias” de uma “união” em declínio.

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Alfredo Soares-Ferreira
Engenheiro e Professor aposentado. Consultor e Perito-Avaliador de Projectos nacionais e internacionais para o Desenvolvimento e Cooperação.

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