A Economia da atenção

Alfredo Soares-Ferreira *

Um tributo muito especial a quem nos presta atenção não é despiciendo, uma vez que será a nossa fala, escrita ou música, que vai completar um certo espaço da vida de alguém. Economizar tempo suficiente para poder induzir alguma esperança a outrem é certamente, nos dias acelerados de hoje, uma virtude, que está porventura reservada a espíritos singulares. O que normalmente acontece, nas sociedades ocidentais, é nem sequer haver tempo para pensar, quanto mais para comunicar algo de novo, ou de belo, para um exterior que anda aqui tão perto. Curiosa economia, que tenta compartimentar a atenção, fazendo dela um mero expediente de comunicação.

Nos anos setenta do século passado, o economista alemão Herbert Simon, que foi Prémio Nobel de Ciências Económicas em 1978, dedicou-se à investigação nas áreas de psicologia cognitiva, sociologia económica e filosofia. Foi considerado o “pai” da chamada Economia Comportamental, uma variante nova da economia, que pretende modelar as escolhas dos indivíduos de forma (pretensamente) mais realista. Sendo a atenção uma das vertentes de comportamento mais socialmente valorizado, uma suposta visão especial da atenção poderia tornar-se rendível, em termos económicos e daí a pretensa economia da atenção ganhar foros de sustentabilidade, particularmente no aspecto da comercialização. Assim, canalizar a atenção dos humanos para um campo favorável, tornar-se-ia tarefa de vulto, na perspectiva da dependência e da dominação. A matemática económica entra na experimentação psicológica e está criado o caldo favorável ao desenvolvimento da dita “ciência”, que não o sendo, acaba por sê-lo de uma maneira forçada e decididamente manipuladora de consciências. Uma espécie de teia que envolve o cidadão e para o qual é arrastado, pela lógica de quem pretende distribuir grandes pacotes de informação e que considera que isso provoca a escassez do que ela consome. Simon afirma mesmo que o que ela consome é óbvio, ou seja, é a atenção dos seus receptores (consumidores). Contudo, ao formular uma teoria que é essencialmente negativa relativamente à racionalidade plena, o Autor parece resvalar para um campo pantanoso, no que diz respeito à capacidade humana.

Com muito mais acuidade, o filósofo e sociólogo e filósofo polaco, Zygmunt Bauman classificou de “crise de atenção” a modernidade actual, que catalogou de “líquida” e que se define pela volatilidade, incerteza e insegurança. Diz Bauman que a educação é vítima da modernidade líquida, que o pensamento está demasiadamente influenciado pela tecnologia e que a crise de atenção é um dos sintomas mais preocupantes dos tempos actuais. Um problema de educação e de formação, que aliás se reflecte no próprio Ensino e que retrata a dificuldade de captar a atenção de quem aprende ou de quem quer (de facto) aprender. De qualquer forma, para Bauman, é tão importante investir na educação, considerando até ser um investimento para os próximos cem anos. Aqui não entra, antes pelo contrário, uma tese economicista da atenção. O que está verdadeiramente em causa é a forma como deveremos actuar no sentido de que a nossa atenção seja canalizada para nos valorizarmos na sociedade, para nela podermos actuar de forma decisiva e para a sua transformação.

“Quando se atribui ao cidadão o estatuto supremo de consumidor, sabemos que estamos a entrar no lado obscuro do capitalismo predador.”

A economia da atenção não deixa de ser alvo de valorização moral e reflecte de forma clara as contradições de um sistema económico desequilibrado e sem controle e que tenta (e por vezes consegue) arrastar o cidadão para as suas diatribes. A constatação da existência de dislexias evidentes deixa antever diversas afasias, ou perdas da capacidade de expressão socialmente provocadas por comportamentos pouco dignos do sistema sobre o cidadão. O que também parece notório é o consequente ataque à liberdade individual, cerceando a capacidade das pessoas para tomar decisões, livres da pressão jornalística, com particular ênfase para a propaganda.

A economia da atenção não passa de uma forma de gestão da informação. Consiste fundamentalmente em considerar a atenção como uma mercadoria e, como tal, a necessidade de capitalizar esse bem, que é escasso. Quer, acima de tudo, atrair da melhor forma possível, o consumidor. E quando se atribui ao cidadão o estatuto supremo de consumidor, sabemos que estamos a entrar no lado obscuro do capitalismo predador.

A produção de conteúdos jornalísticos, particularmente o tabloide, fica hoje muito aquém de uma necessária produção de conhecimento. Esta tipologia de produção será decerto o enriquecimento das sociedades, através de uma prestação melhorada e do uso devido do conhecimento ao serviço do cidadão. Muita atenção, pois, aos sempre frequentes desmandos da economia. O tempo da actualidade moderna, na sua “liquidez”, é muito capaz de nos trazer prejuízos incalculáveis.

About the Author

Alfredo Soares-Ferreira
Engenheiro e Professor aposentado. Consultor e Perito-Avaliador de Projectos nacionais e internacionais para o Desenvolvimento e Cooperação.

1 Comment on "A Economia da atenção"

  1. Maria Jose dos Santos Rêgo | Dezembro 7, 2024 at 8:21 am | Responder

    Excelente texto.
    Concordo em gênero, número e grau.

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