Por Alfredo Soares-Ferreira

Fundada em 19 de Novembro de 1963, a UNICEPE – Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL, mantém nos dias de hoje o mesmo propósito de intervenção cultural, proporcionando, para além da comercialização de livros e outras publicações, iniciativas como edição de livros, apresentação de obras literárias e discos, exposições de pintura, tertúlias, noites de Poesia e Música e excursões culturais.
Medalha Municipal de Mérito, grau ouro, em 2014 e reconhecimento como Loja do Porto de Tradição, em 2020, são distinções atribuídas pela Câmara Municipal do Porto. A UNICEPE é hoje a única cooperativa livreira em Portugal e quer consolidar a sua posição, na Cidade e na região. O primeiro Presidente da Cooperativa foi Francisco José Névoa de Melo. Entrevistámos Rui Vaz Pinto, Presidente da direção da Cooperativa, desde 2003.
O que é a UNICEPE, Rui Vaz Pinto?
A ideia de constituir uma entidade capaz de dar acesso a livros menos caros e a livros proibidos existia latente, nos anos 60 do século passado. A criação da “República” 24 de Março, em Março de 1963, foi decisiva para consolidar e desenvolver a ideia inicial. (O 24 de Março é o Dia Nacional do Estudante).
A fundação da UNICEPE acontece então, passados uns meses, mais propriamente a 19 de Novembro daquele ano, fruto da reflexão havida na recém-constituída “República”, naquele sentido.
A ajuda do Professor Armando de Castro, um dos primeiros cooperadores UNICEPE, foi muito importante na elaboração dos Estatutos da Cooperativa. A Cooperativa começou na Rua José Falcão, passou para o local onde ainda continua –Praça de Carlos Alberto, 128-A, esquina com Praça Gomes Teixeira, vulgo “dos Leões” – e chegou a ter delegações na Rua Faria Guimarães e em Santarém. Os escritórios situavam-se, ao tempo, na Rua do Carmo. Vivíamos essencialmente para o livro universitário, a proximidade da Universidade assim o justificava.
Queres destacar o papel da UNICEPE, antes do 25 de Abril?
A PIDE andava sempre atenta. Por vezes, aparecia com mandado para apreensão de livros e discos. Outras vezes, simplesmente aparecia e levava livros e discos sem deixar “recibo”. Apesar disso, iam-se realizando tertúlias, convidando figuras destacadas de então: Professores Óscar Lopes, Armando de Castro e Emílio Peres, Armando Bacelar, Augusto da Costa Dias, Jofre do Amaral Nogueira, Mário Sacramento e muitos outros.
Também em cooperação com o Clube Português de Cinematografia – Cineclube do Porto, TEP – Teatro Experimental do Porto, TUP-Teatro Universitário do Porto, e as Cooperativa do Povo Portuense e Árvore – Cooperativa de Atividades Artísticas. Chegámos a ter um programa de rádio e alguns Boletins.
E publicámos, ainda antes do 25 de abril, o nosso primeiro livro, “Liberdade de Imprensa e Dignificação da Palavra”, da autoria do nosso associado jornalista Nuno Teixeira Neves, nascido faz hoje precisamente 100 anos!
A UNICEPE é hoje a única cooperativa livreira em Portugal…
Assim é, de facto. Mas outras existiram. Por exemplo, a LIVRELCO, Cooperativa Livreira de Universitários, em Lisboa, de que também fui associado, e a UNITAS, Cooperativa Académica de Consumo, em Coimbra. Aqui no Porto, saliento a Cooperativa Livreira A Erva Daninha, na Rua da Conceição.

Queres falar um pouco do teu percurso na UNICEPE?
Entro como associado em 1972, depois da minha vinda do serviço militar em Angola. Anteriormente frequentava a UNICEPE, com o cartão de associado do Clube Português de Cinematografia – Cineclube do Porto, com o qual beneficiávamos das mesmas regalias. Mais tarde, no ano 1978, sou convidado a integrar os Corpos Sociais, começando pelo Conselho Fiscal e passando a Tesoureiro no mandato seguinte e a Presidente da direcção em 2003. Uma das medidas mais ingratas que fomos obrigados a tomar, logo que entrei, foi termos de despedir alguns trabalhadores, mas a quebra vertical das vendas assim obrigava.
Quais são as ameaças e as oportunidades da UNICEPE, nos dias de hoje?
Com o 25 de Abril deixa de haver livros proibidos, mas novas oportunidades se abrem à Cooperativa. Para além da venda de livros, imaginámos e promovemos iniciativas várias, como a edição de obras, a apresentação de livros e discos e o incentivo à Cidade para que venha à UNICEPE, que está muito bem situada, mesmo no centro cívico do Porto e mesmo ao lado da Reitoria da Universidade do Porto.
Digo que a venda de livros nas grandes superfícies não faz sentido, só prejudica o livro e quem a ele se dedica.
Quais as Entidades com que a UNICEPE tem parcerias?
Destaco as parcerias antigas, Clube Português de Cinematografia – Cineclube do Porto, o TEP – Teatro Experimental do Porto, o TUP-Teatro Universitário do Porto, e a Cooperativa do Povo Portuense e a Árvore – Cooperativa de Actividades Artísticas. Surgiu uma parceria muito importante com a Universidade Popular do Porto, para venda de livros e divulgação de cursos e eventos. E, naturalmente, as Associações de Estudantes e os Sindicatos.
Os protocolos que estabelecemos com essas e outras entidades, constituem um benefício para todos os seus associados e cooperadores e são uma das formas indirectas de divulgação da UNICEPE.
A Cooperativa é associada de que entidades?
A UNICEPE é associada da APEL-Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, da Associação das Colectividades do Concelho do Porto e pretende ser associada da UNINORTE, que é a União Cooperativa Polivalente da Região Norte e que agrega a maior parte das cooperativas do Norte do País.
Rui, qual é o futuro da UNICEPE?
A UNICEPE sobrevive hoje graças à “loucura” de muitos Cooperadores, como a Laura, uma trabalhadora antiga, quase desde o início, que agora é voluntária, um exemplo para todos nós. Claro que, para manter a UNICEPE é necessário um grande esforço. Temos recuperado, alguns associados antigos, e, nestes dois anos de pandemia bastantes associados corresponderam com donativos que atingiram o total de 6512 euros, verba muito importante para a resistência.
Estou optimista em relação ao futuro, mas precisamos de gente nova. Os professores de Esperanto e de Latim são belíssimos exemplos.
Admitimos em Janeiro um novo trabalhador, a meio-tempo, para descomprimir a pressão resultante de termos – desde Abril de 2006 – apenas um posto de trabalho remunerado.
E, em concreto…
Pretendemos apresentar propostas de alterações à Lei do Livro.
Exemplos, em síntese:
– aumentar para 10 anos o período em que o editor não pode baixar o preço (por si fixado),
– proibir os descontos durante esses 10 anos,
– idem, Feiras do Livro sem desconto nos livros com menos de 10 anos.
As Feiras do Livro servirão para grande divulgação dos livros novos e escoamento dos livros com mais de 10 anos. Até aqui têm servido para matar as livrarias, que devem ser pontos fundamentais para a literacia, fomentando o prazer da leitura.
Para terminar, queres destacar algumas iniciativas típicas da UNICEPE?
Temos algumas tertúlias com periodicidade certa, como a Roda de Choro do Porto, na primeira quarta-feira de cada mês (a sessão desta semana foi 96º), o Jantar de Amizade UNICEPE, na segunda quarta-feira (já realizámos 195) e as Noites de Poesia e Música, à quarta-feira.
E muitas outras sem periodicidade certa – apresentações de livros, revistas e discos, conferências, debates – que vamos anunciando na página www.unicepe.pt, no Facebook, no Tweeter e por email.
Também, na primavera que se avizinha, retomaremos as excursões culturais, com nova viagem às “Terras do demo”, guiada pelo nosso associado Manuel de Lima Bastos, profundo estudioso de Aquilino Ribeiro, autor de “Aquilino no Feminino”, nossa penúltima edicão.