Pandemia virótica na era da informação

Por Susan Cruz

Quarentena, circulação de pessoas limitadas, lojas e serviços encerrados, escolas e universidades canceladas. O confinamento à casa articula uma dessocialização globalizada. Porém, acelera ainda mais o convívio virtual. Seria esse o vírus capaz de fazer uma geração acostumada à interação virtual, por fim sofrer as consequências da ausência de contato humano? Já sabemos que as implicações serão desastrosas para a economia mundial, mas ainda nem poderíamos mensurar, sob essas circunstâncias de isolamento, de que forma o comportamento humano será afetado.

A dessocialização sob uma ótica pandémica traz consigo um medo antigo. Períodos de excecção trazem à tona sentimentos que muitas vezes se encontram adormecidos. Queremos encontrar esperança em lugares escuros, porque encontramos a nós mesmos lá. É desafiador tentar entender a ordem das coisas quando o mundo ao qual estamos acostumados torna-se invertido. As assimetrias sociais expõem comportamentos pessoais ainda mais surreais, os quais muitas vezes sempre estiveram lá, mas agora se tornam escancarados. Cruéis.

Uma sociedade de sucessos e fracassos conectados de uma forma tão instantânea que a efemeridade da vida atinge em cheio os mais desavisados. O sentimento de dispersão nos confunde e traz questionamentos profundos que, para alguns, não eram comuns. As coisas parecem muito estranhas nesse momento.

Mas afinal, quem realmente somos quando aquilo a que estamos acostumados é tirado de nós? O que nos move como humanidade quando somos privados do convívio? Temos à prova de que em muitos casos aquilo que ditávamos como felicidade e o que ela realmente é, são coisas diferentes. Agora que nossa liberdade está colocada à prova, percebemos diferente nosso direito de ir e vir, por exemplo. Ainda que a noção de coletividade por meio das redes sociais mostre que não estamos sozinhos na adversidade, oferecendo algum conforto, não supre carências essenciais de contato humano.

Uma pandemia nas proporções dessa, causada pela doença COVID-19 descortina nossas fraquezas e coloca nossos temores em evidência. É certo que somos vulneráveis, mas isso é também o que nos torna especiais. Sem isso seriamos incapazes de existir, criar, sentir, seriamos apenas cascas vazias. Cuidar de si é também encarar de forma mais natural que as coisas nem sempre dependem de nós, que podemos nos frustrar e sentirmos tristes às vezes. Internalizar esses sentimentos pode ser a chave para compreender e aceitar momentos como esse. Essa fraqueza é o que nos torna humanos e o que nos aproxima como espécie, agora mais do que nunca. Talvez a suspensão dessa felicidade tóxica produzida por um comportamento virtual exagerado nos devolva um pouco da nossa antiga capacidade de viver de forma autêntica. Enquanto estivermos reclusos, podemos olhar para nós mesmos. Nossa capacidade de superar adversidades advém de nossa experiência em vivenciá-las. E por isso, de aprendermos. Estivemos tão focados em compartilhar só os bons momentos que esquecemos o essencial. É importante que sejamos honestos com nossos sentimentos para não perpetuarmos comportamentos nocivos.

Um vírus está a modificar drasticamente o mundo da forma que conhecíamos, a mudança será inevitável, mas somos nós que vivemos nele que devemos actuar na mudança que queremos.