Alfredo Soares-Ferreira *
Existe um catalisador político que intensifica o confronto eleitoral. A nítida preocupação em conquistar os eleitores num contexto de incerteza e insatisfação introduz um efeito que, apesar de bastante comum em circunstâncias congéneres, configura uma espécie de ironia: a crise foi romantizada ou dramatizada para fins eleitorais. A asserção “romantismo eleitoral” procura abranger aquela que é hoje uma visão idealizada ou sentimentalista do processo eleitoral, vinculada a práticas políticas que enfatizam emoções, narrativas pessoais ou apelos populistas em vez de factos e propostas com conteúdo, racionais e programáticas.

É possível encontrar na literatura, em que se incluiu o movimento artístico e intelectual que surgiu no final do século XVIII e se consolidou no século XIX na Europa e nas Américas, designado por Romantismo, todas as formas de reacção contra o racionalismo do Iluminismo e a rigidez do Neoclassicismo. Um movimento que defendeu a liberdade criativa que, rejeitando regras formais, priorizou a originalidade. Embora o género romance sempre tenha existido, foi moldado de forma específica pelo romantismo, atribuindo-lhe o devido ênfase na emoção, na individualidade e no imaginário. A provável adaptação que dá forma ao romantismo eleitoral, reside na especificidade de um eleitoralismo em que os regimes ocidentais manipulam eleições para parecerem democráticas, usando narrativas emocionais ou idealizadas para legitimar o poder. É por essa razão que a professora norte-americana de ciência política Terry Lynn Karl classifica estes eleitoralismos como uma espécie de transição temporária do regime autoritário para o regime democrático. No interessante ensaio “What Democracy Is . . . and Is Not”, escrito em conjunto com Philippe Schmitter e publicado no Journal of Democracy, de 1991, Terry Lynn aborda a forma como os regimes podem tratar processos eleitorais onde a ausência de estado de direito ou de separação de poderes registam verdadeiros sintomas que carecem de verdadeira democracia. No mesmo sentido crítico vai a obra “Revolta e Melancolia”, escrita no ano de 1988, pelos sociólogos Michael Löwy e Robert Sayre, onde se analisa o romantismo como um movimento cultural e político oposto à modernidade capitalista e que inclui correntes como a conservadora, a utópica e a revolucionária. Para os Autores, o romantismo é uma reacção cultural e política ao capitalismo, onde sobressai uma crítica à racionalidade instrumental e à nostalgia por valores comunitários pré-modernos e, num caso específico, pode ser associado a campanhas eleitorais que apelam ao sentimentalismo, à glorificação do passado ou à identidade nacional. Poderemos inclusivamente associar o romantismo eleitoral a uma fusão entre estética romântica e política, observando a forma como se apresentavam alguns movimentos nacionalistas do século XIX. Lembrando Almeida Garret, pioneiro do romantismo em Portugal, notamos como ele associou o romantismo ao liberalismo e ao nacionalismo. Se ainda pudesse escrever, Garret poderia certamente associar o romantismo eleitoral à construção de narrativas políticas idealizadas, como a valorização da “nação” ou do “cidadão-eleitor”, para mobilizar apoio político.
A romantização dos processos eleitorais, sob a égide do medo e da desconfiança, produz necessariamente o espectáculo em detrimento do exercício democrático. A idealização ingénua de eleições onde todas as forças partidárias participam de modo equitativo é hoje uma “produção” televisiva, que favorece a estetização da política que apela às emoções, inspirada no romantismo como movimento cultural. Essa estetização foi praticada pelo fascismo, nos anos trinta do século passado e assentava, segundo Walter Benjamin, na representação da alegria, na apologia do trabalho e na celebração das forças produtivas, tendo como expressão uma política de contenção do proletariado revolucionário, através da difusão, em escala industrial, de imagens que representassem as massas ou que fossem o resultado da sua expressão e com o objectivo de as pacificar.
Um efeito directo no processo eleitoral é desempenhado pelas sondagens. De um hipotético valor potencial e referencial passou-se nos últimos tempos para a completa centralidade. Os grupos privados deste tipo de “estudos” têm interesses confessos em apresentar resultados com propósito deliberado de induzir o voto, utilizando metodologias que podem ser manipuladas para produzir resultados desejados. Na verdade, a forma como as perguntas são formuladas é crucial para obter respostas específicas, e isso pode ser explorado para enviesar os resultados, como por exemplo, perguntas tendenciosas ou a exclusão de eleitores indecisos, que podem distorcer a percepção do público. Como se sabe, a percentagem de indecisos (ao momento, quase 40%) é distribuída pelos respondentes de forma proporcional entre os partidos, uma prática que necessariamente afecta a precisão dos resultados. As sondagens buscam, de certa forma, emular o espírito do “Demónio de Laplace”, um conceito do início do século XIX, da autoria do matemático e astrónomo francês Pierre-Simon Laplace e que supõe o determinismo absoluto: se fosse possível conhecer a posição e a velocidade de todas as partículas do universo num dado momento, bem como as leis que governam as suas interacções, seria possível prever o futuro e reconstruir o passado com precisão absoluta. Ao tentar prever o resultado de uma eleição com base numa amostra da população, de representatividade duvidosa, colectando dados sobre intenções de voto, preferências partidárias e percepções sobre líderes políticos, as sondagens não buscam apenas prever o futuro, mas também moldá-lo, influenciando as “condições iniciais” (a percepção dos eleitores), para produzir um resultado desejado, um fenómeno conhecido como “efeito de adesão” (no original, “bandwagon effect“), que na verdade não é mais que seguir o rebanho, mesmo que não seja por vontade própria. Neste caso concreto, significa que o eleitor vai apoiar o candidato ou partido que é “sugerido” como favorito por uma maioria, seja ela qual for.
A romantização da Direita como solução é nítida em todos os momentos deste processo. Ignora o porquê deste acto eleitoral e todas as trapalhadas de Montenegro, para as quais não consegue encontrar resposta. Na verdade, a envolvência das sondagens publicadas quase diariamente cria uma aura de legitimidade emocional em torno de uma hipotética maioria, já apresentada como “a solução” e classificando de forma clara alguns partidos da Esquerda como “em decadência” e não enquadráveis na “norma”.
O romantismo eleitoral é uma ferramenta do capitalismo neoliberal para limitar o escrutínio público e manter uma ilusão de escolha. É apresentada com uma certa beleza estética que romantiza o acto de votar como um momento sublime, encobrindo a realidade de um sistema eleitoral desigual e manipulado. A ilusão é complementada pelo funcionamento dos órgãos (ditos) de comunicação social, destinados fundamentalmente a consolidar narrativas e traçar cenários convenientes para manter no Poder os que dominam e exploram os trabalhadores.
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