Os Indesejáveis (Les Indésirables)
Por Raquel Azevedo *
Em Les Indésirables (título português: Os Indesejáveis), o cineasta francês Ladj Ly oferece um drama contemporâneo intenso, que trata de poder, desigualdade urbana e resistência em um subúrbio periférico de Paris.

A narrativa gira em torno de Pierre Forges (interpretado por Alexis Manenti), um jovem médico que, após a morte súbita do antigo autarca, torna-se o novo chefe municipal de uma localidade periférica da região parisiense. Sua missão será implantar um projeto de requalificação urbana — uma espécie de “limpeza social” — que afeta diretamente edifícios degradados e comunidades desfavorecidas.
Do outro lado da disputa está Haby Keita (vivida por Anta Diaw), uma jovem que mora em um dos prédios ameaçados de demolição (o “Edifício 5”) e que luta para preservar o local em que cresceu, ao lado de seus familiares e vizinhos. Haby emerge como uma figura ativista e símbolo de resistência contra o projeto de gentrificação que pretende deslocar os moradores para favorecer uma reestruturação urbana com interesses políticos e económicos ocultos.
À medida que a trama avança, Pierre precisa lidar com as tensões entre sua autoridade recém-conquistada e as reações populares que surgem — especialmente quando a população se mobiliza em protestos, ocupações e confrontos. O conflito central entre o poder institucional e a voz das “classes invisíveis” é tratado de forma direta e dramática.
O filme também conta com um elenco complementar que inclui Jeanne Balibar, Steve Tientcheu, Aristote Luyindula e Valentin Pradier. A cinematografia é assinada por Jullien Poupard, e a edição por Flora Volpelière.
Temas centrais
Les Indésirables aborda temas urgentes como:
– Gentrificação e expulsão urbana: a demolição de prédios e o deslocamento de comunidades são explorados como efeitos de políticas urbanísticas que favorecem classes mais altas sob o pretexto de modernização.
– Desigualdade social e racial: muitos dos personagens afetados são pessoas de origem migrante ou de classes populares, e o filme mostra como esses grupos muitas vezes são tratados como “indesejáveis” pela administração local.
– Política local e manipulação: Pierre, embora bem-intencionado, se vê envolvido em dinâmicas de poder, alianças e pressões que o obrigam a tomar decisões controversas.
– Resistência comunitária: Haby é um símbolo de luta coletiva, mostrando que a mobilização local pode se tornar um contrapoder real.
– Inércia institucional e limitação da mudança: o filme não oferece soluções fáceis, reconhecendo que estruturas profundas de segregação não se desfazem de modo simples.

Ladj Ly já havia explorado a força social urbana em seu aclamado filme Les Misérables (2019), mas Les Indésirables não é uma continuação direta; embora compartilhe preocupações temáticas e equipa técnica, trata-se de uma história independente. De fato, o filme foi concebido antes dos protestos que eclodiram em 2023, mas muitos críticos o consideraram extremamente atual diante das tensões sociais contemporâneas.
Estreia e recepção
O filme estreou mundialmente no Festival de Toronto em 8 de Setembro de 2023. Posteriormente, entrou em festivais internacionais e chegou aos cinemas na França em Dezembro de 2023. Em Portugal e em países lusófonos, foi exibido sob o título Os Indesejáveis.
Quanto à recepção crítica, as opiniões foram geralmente favoráveis, embora algumas ressalvas tenham sido feitas. Tim Grierson, da Screen Daily, elogiou a força visual e a crueza com que o filme retrata a expulsão dos moradores, mas observou que o desfecho tende a ficar excessivamente dramático. Uma cena particularmente comovente é aquela em que objetos pessoais dos moradores são atirados pelas janelas, simbolizando abruptamente o rompimento com suas vidas.

Críticos apontaram que, em alguns momentos, o filme se aproxima do maniqueísmo, ao posicionar de forma bastante clara quem é “bom” e quem é “vilão”. Porém, muitos reconheceram que essa escolha estilística serve ao propósito da narrativa de mostrar o abandono institucional enfrentado pelos moradores.
Contribuição e relevância
Les Indésirables confirma Ladj Ly como um cineasta comprometido com dramas sociais que emergem nas periferias urbanas da França contemporânea. O filme contribui para o debate público sobre o direito à moradia digna, a invisibilidade de comunidades marginais e os mecanismos de poder urbano que, por vezes, excluem os mais vulneráveis em nome de um “progresso” estético ou económico.
Além disso, ao inspirar reflexões além da França — sobre desigualdade urbana, força comunitária e políticas de inclusão — o filme dialoga com realidades semelhantes em várias cidades do mundo, inclusive em países lusófonos, onde muitos bairros periféricos enfrentam pressões similares.

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