Abril todos os dias

Por Inês Moreira dos Santos *

Celebramos este ano 50 anos da Revolução de Abril, o dia mais bonito da nossa história, quando se ergueu um cravo vermelho e se gritou liberdade. Como Sophia de Mello Breyner disse, a madrugada que tantos esperavam, no silêncio imposto das suas casas. A todos quantos resistiram, a todos que não baixaram os braços, a todas as suas conquistas, que foram muitas, ainda que mais haja para conquistar, a todos os antifascistas: Obrigada!

O fascismo, opressor e limitador das liberdades da maioria da população, remeteu o povo à pobreza, condenava o povo à miséria. Acabar com o fascismo e alavancar a melhoria das condições de vida do povo foi o mote da Revolução dos Cravos. O fascismo tem muitas facetas, muitas máscaras, muitas ilusões para enganar. De pouco importa a dignidade humana, quantas pessoas vão passar dificuldades. Não importa quem ou o quê terá de atacar, não importam os direitos humanos, não importa nada.

Imagem: C.M.Lisboa.

Ouvi muitas histórias de resistência à ditadura. Histórias duras, de sacrifício, de persistência, de luta, de medo. O dia 25 de Abril começou muito antes de 1974. A tão almejada liberdade começou a ser forjada muito antes. Diria até que a resistência começou quando começou o Estado Novo. Os resistentes antifascistas sempre tiveram esperança num 25 de Abril, na calada, na surdina. Nas mulheres e nos homens que sofreram, cujo destino foi marcado pelas políticas austeras e segregantes do Estado Novo, sempre houve 25 de Abril.

Não se deve tolerar os intolerantes. Porque devemos ser tolerantes, acolhedores e empáticos com quem destila ódio, com quem não o é? Ser tolerante com discurso de ódio e com ataques à liberdade de expressão é não fazer nada para combater esse discurso. Ter partidos legalizados, de microfone na mão, a arregimentar forças e fileiras, com o seguidismo que se conhece à extrema-direita. O artigo 46.º da nossa Constituição é muito claro, diz: “Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”.

“Quando as armas foram guardadas e a nossa democracia ganhou forma, pensámos que o pior tinha passado e de facto passou, mas nunca achamos que era possível este ressurgir de movimentos de extrema-direita às claras.”

Não nos deixemos arrastar em populismos, fake news e tramóias que nos querem enganar, para levar ao poder quem tanto mal quer a quem trabalha em Portugal. Por aqueles que lutaram pela dignidade de todos. Por aqueles que enfrentaram o medo e nunca cederam, nunca se vergaram, deram a vida, alguns, pela liberdade, assumiram que morreriam pela liberdade, sua e dos outros, por aqueles que não foram cúmplices de uma ditadura que tornava miserável a vida do povo português, que escolheram enfrentar o medo, e seguir, de punho erguido, temos de fazer Abril todos os dias.

O ódio não leva a lado nenhum, é preciso criar pontes, educar as crianças, fomentar o respeito pela diversidade, ensinar as pessoas a amar, sem ganância, sem medo. A liberdade de expressão tem de ser para todos, é um direito de todos os cidadãos. É a garantia de que vivemos numa sociedade democrática. Apesar disto, o ódio pulula por aí. Na rua, nas escolas, nos cafés, na internet.

Quando as armas foram guardadas e a nossa democracia ganhou forma, pensámos que o pior tinha passado e de facto passou, mas nunca achamos que era possível este ressurgir de movimentos de extrema-direita às claras. Reacionários sempre houve, mas na toca deles. Longe dos nossos olhares. Em reuniões, a conspirar contra a democracia, mas tudo aparentava uma segurança, agora que já não havia ditadura. Achámos que através da democracia, da Constituição, do poder do povo, do poder político democrático estávamos seguros. Achámos que teríamos uma democracia assente na defesa dos direitos dos trabalhadores, da saúde para todos, da educação para todos e na boa convivência entre todos. Abril era uma garantia, quisemos nós. Abril sempre, dizemos nós. Abril foi o começo de um dia novo, com horizontes novos e com uma nova madrugada, com felicidade e alegria. Por que não fazer dessa alvorada diária? Com os valores de Abril sempre bem presentes? Façamos da força de Abril, uma força diária.

D.P.

Perguntem a alguém que trabalhe de dia e de noite, alguém que faz turnos numa fábrica, às mulheres que trabalham no campo, a quem não é capaz de ter uma poupança, a quem recebe o salário mínimo, a quem a vida custa, de facto, a ganhar, quais as suas necessidades. Perguntem aos pais os seus problemas diários com os filhos, para ter uma creche, perguntem às mulheres que sofrem violência doméstica, a mudança que queriam ver. Perguntem às pessoas racializadas quais os seus problemas. Um governo tem de se nortear pelas ambições das pessoas. Quando se ouve dizer que o lugar dos imigrantes é na terra deles, que um negro devia ir para a terra dele, que se quer uma cerca sanitária para ciganos, temos de parar e pensar que algo muito errado está na nossa democracia. Façamos dos valores de Abril o motor da nossa existência, há tanto para concretizar de Abril.

A Revolução de Abril constituiu a afirmação de um povo. Através da democracia, do cumprimento da Constituição, do respeito pelos direitos humanos, do poder do povo, do poder político democrático, queremos ser livres. Ter uma democracia assente na defesa dos direitos dos trabalhadores, da saúde para todos, da educação para todos e na boa convivência entre todos. Abril foi o começo de um dia novo, com horizontes novos e com uma nova madrugada, com felicidade e alegria. Por que não fazer dessa alvorada diária? Com os valores de Abril sempre bem presentes? Façamos da força de Abril, uma força diária.

About the Author

Ines Moreira dos Santos
* Nascida e criada no Ribatejo, rumou a Lisboa, e por lá se licenciou em Psicologia. Fez d´O Segundo Sexo o seu livro de cabeceira e do avô o seu herói. Mãe de 3, ativista a tempo inteiro, colunista. Fascinada pelo mundo e pelas pessoas que nele habitam. Acredita na igualdade e sonha com um país onde se cumpra a Constituição.

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