Por Raquel Azevedo *
Em “Blossoms Shanghai”, Wong Kar-Wai oferece-nos uma obra-prima televisiva que traduz com delicadeza e sofisticação a sua assinatura cinematográfica para o pequeno ecrã. Baseada no romance “Blossoms”, de Jin Yucheng, a série é um retrato poético, sensual e visualmente deslumbrante da cidade de Xangai nas décadas de 1990 e 2000, através dos olhos de A Bao, um homem de origens humildes que ascende ao poder económico durante a explosão capitalista chinesa. Ao longo da série, somos guiados por um universo de desejos, perdas e memórias, típico do universo de Wong Kar-Wai.

A primeira série de televisão realizada por Wong Kar-Wai é, como esperado, uma extensão natural da sua estética: cores saturadas, planos lentos, música envolvente e diálogos carregados de subtexto. Cada cena em “Blossoms Shanghai” é como um quadro em movimento, onde o tempo é tão personagem quanto os protagonistas. As luzes de néon, os espelhos, os cigarros acesos e os olhares furtivos constróem um ambiente de nostalgia, de beleza melancólica, que remete diretamente a obras como “In the Mood for Love” ou “2046”.
O protagonista A Bao, interpretado por Hu Ge, é um personagem fascinante, simultaneamente carismático e trágico. A sua trajetória reflete não apenas a transformação económica da China, mas também os dilemas morais e emocionais que essa ascensão impõe. A série não glorifica o sucesso económico; antes, questiona o seu custo pessoal e social. A ambição de A Bao leva-o a perder amores, amizades e a si próprio, mergulhando-o num percurso de autodescoberta e arrependimento.
Um dos grandes méritos de “Blossoms Shanghai” é a forma como retrata Xangai como uma entidade viva, uma cidade com alma, desejos e feridas. Ao contrário de representações ocidentais estereotipadas da China, aqui encontramos uma narrativa local, rica em camadas culturais, sociais e históricas. Wong Kar-Wai filma Xangai com a mesma sensibilidade com que filmou Hong Kong – a cidade torna-se confidente e cúmplice das personagens.

Apesar de ser uma série de televisão, “Blossoms Shanghai” mantém o ritmo contemplativo do cinema de autor. Isso pode exigir mais paciência de espectadores acostumados ao ritmo frenético de outras produções contemporâneas. No entanto, quem se entrega ao ritmo e à linguagem visual da série, encontrará uma obra profundamente recompensadora.
Do ponto de vista técnico, a série é irrepreensível. A direção de arte, o guarda-roupa, a fotografia e a banda sonora evocam uma atmosfera onírica que nos transporta para outro tempo. A trilha sonora mistura jazz, música tradicional chinesa e temas românticos que sublinham os estados emocionais das personagens. Nada é deixado ao acaso – cada plano, cada som, cada silêncio carrega sentido.
Em suma, “Blossoms Shanghai” é mais do que uma série sobre a ascensão económica de um homem – é um estudo sobre identidade, memória, amor e perda. Wong Kar-Wai continua a ser um mestre em captar o efémero, o intangível, os pequenos gestos que definem vidas. “Blossoms Shanghai” é um presente para os amantes do cinema poético, e uma obra que confirma que, mesmo na televisão, Wong Kar-Wai continua a sonhar em película.

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