Por Raquel Azevedo *
O documentário “A Viagem do Papa Francisco” (título original: In Viaggio, 2022), dirigido por Gianfranco Rosi, é um retrato íntimo e poderoso do pontificado de Jorge Mario Bergoglio através das suas inúmeras viagens apostólicas ao redor do mundo. Com uma abordagem contemplativa e profundamente humana, o filme oferece um olhar sobre um Papa que se recusa a ficar confinado aos muros do Vaticano, optando por estar presente nas margens, onde o sofrimento humano e a esperança se entrelaçam.

Ao longo de 53 viagens internacionais realizadas entre 2013 e 2022, o documentário mostra o Papa como um peregrino incansável da paz, um líder religioso que, mais do que proclamar dogmas, escuta e se deixa tocar pela dor dos outros. Rosi utiliza imagens reais das viagens papais, intercaladas com discursos, encontros com líderes religiosos e políticos, e momentos de grande simbolismo, como a visita a campos de refugiados, zonas de guerra e áreas devastadas por desastres naturais.
A montagem é minimalista, sem narração externa ou entrevistas explicativas. O olhar do realizador é silencioso, quase invisível, permitindo que a presença do Papa e as suas palavras conduzam a narrativa. A força do filme reside justamente nessa escolha: deixa que o espectador se confronte diretamente com as imagens e reflexões de Francisco, sem filtros.
Temas como a crise dos refugiados, as alterações climáticas, os abusos dentro da Igreja, o diálogo inter-religioso, a guerra e a pobreza estrutural ganham destaque ao longo da obra. Francisco aparece como um líder que não teme o desconforto, que denuncia a indiferença global e que insiste numa ética do cuidado, da proximidade e da justiça social. Em vez de discursos triunfantes, oferece gestos simples, palavras de consolo e apelos firmes à ação concreta.

“A Viagem do Papa Francisco” não é um filme hagiográfico. É um documento histórico e espiritual que revela a complexidade de um pontificado marcado por tensões internas na Igreja e por desafios globais profundos. É também uma obra que propõe uma reflexão sobre o papel da fé num mundo fragmentado, sobre o poder simbólico das viagens e sobre a importância de escutar as vozes silenciadas.

Mais do que um retrato institucional, o documentário é um convite a ver o mundo com os olhos de quem caminha entre as dores da humanidade. Francisco não é mostrado como uma figura distante, mas como alguém vulnerável, que hesita, que se emociona, que insiste. A sua viagem é também uma jornada interior, que convoca crentes e não crentes a repensar o modo como habitamos o planeta e nos relacionamos uns com os outros.
Neste tempo de guerras, exclusões e polarizações, “A Viagem do Papa Francisco” é um testemunho de coragem, compaixão e compromisso. Uma obra essencial para compreender a missão de um Papa que ousa sair do centro e colocar-se ao lado dos últimos.

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