“Dinheiro dos Outros”: O espelho incómodo do capitalismo moderno

A série alemã Dinheiro dos Outros chega num momento em que a confiança no sistema financeiro internacional está, mais uma vez, em queda. E talvez seja por isso que a produção incomode tanto: ela não se limita a dramatizar escândalos, mas expõe, com precisão quase cirúrgica, os mecanismos que permitem que os mesmos jogos de poder continuem a ser praticados à vista de todos — apenas com mais sofisticação e menos escrúpulos.

À primeira vista, Dinheiro dos Outros pode parecer apenas mais um thriller corporativo. Mas basta acompanhar os dilemas do protagonista, Jonas Reuter, para perceber que a série funciona como metáfora da nossa própria complacência perante abusos financeiros que custam empregos, casas e dignidade a milhares de pessoas. Jonas não é um vilão. É, na verdade, o retrato mais fiel do trabalhador comum que ascende a estruturas que, por natureza, anulam qualquer pretensão de ética. A série recorda-nos que, dentro da maquinaria económica global, indivíduos bem-intencionados tornam-se peças descartáveis, pressionadas a perpetuar práticas que sabem ser injustas.

O mais perturbador, porém, é a atualidade de tudo o que a série denuncia. Os episódios sobre manipulação de mercado, especulação imobiliária ou o uso de influência política parecem menos ficção e mais um resumo dos noticiários dos últimos vinte anos. Não há nada ali que não tenha acontecido já — e talvez isso seja o verdadeiro alerta. Dinheiro dos Outros mostra que não aprendemos nada com as crises anteriores; apenas profissionalizámos a arte de ignorar sinais de colapso.

Visualmente, a produção reforça essa crítica com uma estética fria e limpa, típica de escritórios onde decisões impessoais causam impactos devastadores. O vidro, o aço e o silêncio das salas de reunião contrastam com o barulho que essas decisões provocam fora das paredes corporativas. No fundo, a série lembra que, enquanto se discute percentagens e riscos calculados, são pessoas reais que pagam o preço do lucro alheio.

Por isso, mais do que entretenimento, Dinheiro dos Outros funciona como um convite — ou um aviso — para repensarmos o papel que atribuímos às instituições financeiras. Continuamos a tratá-las como autoridades incontestáveis, mesmo sabendo que grande parte do seu poder deriva de operar num território nebuloso, onde a responsabilidade é difusa e a impunidade é regra. A série questiona: até quando aceitaremos que “errar com o dinheiro dos outros” é apenas parte do jogo?

No fim, o que Dinheiro dos Outros faz é devolver-nos o espelho. E a imagem refletida não é confortável. Talvez esteja na hora de deixar de olhar para o sistema financeiro como um monstro distante e começar a reconhecê-lo como algo que ajudamos, consciente ou inconscientemente, a alimentar. A série não oferece soluções — mas exige que deixemos de fingir que não vemos o problema.

About the Author

Raquel Azevedo
* Raquel Azevedo é técnica multimédia, produtora, activista sindical e cinéfila.

1 Comment on "“Dinheiro dos Outros”: O espelho incómodo do capitalismo moderno"

  1. Comentário muito bom sobre o tema. Muito verdadeiro e reflexivo.

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