A Cultura não se cala

Contra o ódio, pela Democracia

No dia 10 de junho, Adérito Lopes, ator da histórica companhia Teatro A Barraca, foi brutalmente agredido à porta do teatro a Barraca, em Lisboa. Um ataque violento e covarde, motivado pelo racismo, que se soma a uma inquietante sucessão de episódios de ódio, violência e intimidação que vêm crescendo em Portugal. É o retrato de um país onde a sombra do neofascismo começa a perder a vergonha de se esconder e com mais complacência institucional.

Não podemos fingir surpresa. Há meses, senão anos, que assistimos à normalização do discurso de ódio nos media, nas redes sociais e, cada vez mais, no Parlamento. Cresce o número de agressões racistas, homofóbicas e xenófobas. Pessoas negras, ciganas, migrantes, LGBTQI+, ativistas e artistas — sobretudo os que ousam erguer a voz — tornaram-se alvos preferenciais desta escalada de intolerância. Este ataque não é isolado. É parte de um padrão. E o silêncio institucional só ajuda a consolidar este novo normal.

Não aceitaremos. Não viveremos com medo. A cultura, o teatro, a arte e a cidadania sempre estiveram na linha da frente da resistência à opressão. Hoje não será diferente. Ocuparemos as ruas, os palcos e os microfones sempre que for necessário para afirmar que o país que queremos é um país plural, democrático e sem medo. Um país onde ninguém seja perseguido pela cor da pele, pela origem, pela fé ou pela identidade. Um país onde artistas como Adérito possam criar, viver e caminhar em liberdade.

O governo tem o dever político e moral de se pronunciar. Chega de esconder-se atrás da retórica do “não vamos dar palco” ou de discursos de apaziguamento. A cada dia de omissão, legitima-se a violência. É urgente uma posição firme e clara contra o racismo e o neofascismo. É urgente proteger os mais vulneráveis com políticas públicas concretas de integração, educação, habitação, igualdade e combate à pobreza. É urgente criminalizar e desmantelar redes organizadas de ódio que se escondem sob capas de partidos, páginas anónimas e grupos de WhatsApp.

Mas mais do que isso: é preciso mobilizar a sociedade. As instituições não podem agir sozinhas — e muitas vezes não querem. Cabe-nos, a todos nós, dizer que não. Dizer basta. Lembrar que a democracia não é um dado adquirido. Que a liberdade se conquista e se defende todos os dias. Que a cultura é — e continuará a ser — trincheira e farol contra a escuridão.

Adérito não está sozinho. A Barraca não está sozinha. Nenhuma vítima de racismo ou violência fascista está sozinha. Estamos em marcha. Estamos em vigília. Estamos em resistência. Não vamos recuar. Não vamos calar. Porque um país que agride os seus artistas é um país doente. Mas um país onde a cultura resiste é um país que ainda pode curar-se.

A rua é nossa. O futuro também. Não passarão. 

About the Author

Raquel Azevedo
* Raquel Azevedo é técnica multimédia, produtora, activista sindical e cinéfila.

1 Comment on "A Cultura não se cala"

  1. Maria José Rêgo | Junho 21, 2025 at 12:27 pm | Responder

    Muito bom!
    Parabéns,Raquel!
    Nada a acrescentar no teu texto.

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