Greves, inflação e plataformas: o sindicalismo volta à rua

Ação coletiva volta a ganhar força num contexto de inflação, precariedade e transformação do trabalho.

Professores em luta e a Agenda do Trabalho Digno

Em Portugal, o setor da educação tornou-se o exemplo mais visível da conflitualidade laboral. Entre 2022 e 2024, greves sucessivas de professores e funcionários não-docentes paralisaram escolas e dominaram o espaço mediático. A função pública e os transportes também registaram um aumento da contestação, mostrando que, apesar da quebra da sindicalização, os sindicatos continuam a ter peso político e social.

Face a este cenário, o Governo aprovou a Agenda do Trabalho Digno, em 2023. O diploma introduziu medidas contra a precariedade, obrigou ao pagamento dos custos de teletrabalho e limitou a renovação sucessiva de contratos a prazo. A medida mais simbólica foi a criação da presunção de laboralidade para trabalhadores de plataformas digitais, como a Uber ou a Glovo, colocando Portugal na linha da frente europeia na regulação de um setor em expansão.

Diretivas europeias e novos horizontes

A nível europeu, duas diretivas moldam o presente e o futuro da ação sindical. A dos Salários Mínimos Adequados, de 2022, exige que os Estados-Membros reforcem a cobertura da negociação coletiva, apontando a meta dos 80% de trabalhadores abrangidos. Já a Diretiva do Trabalho em Plataformas, aprovada em 2024, procura travar o falso trabalho independente e reforçar a transparência algorítmica, abrindo caminho para a sindicalização num universo laboral
até agora fragmentado e pouco protegido.

Menos filiados, mais visibilidade

Apesar de a densidade sindical continuar a cair, sobretudo entre os mais jovens, a visibilidade pública das greves aumentou. Exemplos como as manifestações em França contra a reforma das pensões, as greves de enfermeiros e ferroviários no Reino Unido ou as paralisações nos transportes na Alemanha mostram que a ação coletiva permanece eficaz. O sindicalismo pode ter menos sócios, mas continua a influenciar decisivamente a agenda social.

A transição climática e digital

Outro grande desafio prende-se com a transformação estrutural do trabalho. O encerramento de centrais a carvão, a eletrificação automóvel e a automação industrial estão a redesenhar setores inteiros. Os sindicatos reivindicam uma “transição justa”, que assegure requalificação, salários dignos e manutenção de empregos de qualidade. Em Portugal, debates sobre energia e reconversão profissional já são palco de negociações tensas.

Reinvenção nas margens

O futuro do sindicalismo poderá passar por quem hoje está mais vulnerável: precários, imigrantes, jovens em contratos temporários e trabalhadores de plataformas digitais. Se os sindicatos conseguirem reinventar-se nesses setores, não só recuperarão força como poderão estabelecer novas regras para o mundo do trabalho do século XXI.

  • A Fábrica de Nada (Portugal, 2017, Pedro Pinho) – Operários ocupam uma fábrica e experimentam a autogestão.
  • En guerre (At War) (França, 2018, Stéphane Brizé) – Trabalhadores enfrentam o encerramento de uma unidade lucrativa.
  • 7 Minutos (7 minuti) (Itália, 2016, Michele Placido) – Delegadas sindicais debatem se devem ceder sete minutos por turno.
  • Made in Bangladesh (Bangladesh/França, 2019, Rubaiyat Hossain) – Uma jovem operária organiza um sindicato no setor têxtil.
  • The Gig Is Up (Canadá/França, 2021, Shannon Walsh) – Documentário sobre trabalhadores de plataformas digitais.

■ O sindicalismo vive, assim, um momento decisivo: pressionado pela inflação e pela precariedade, mas também estimulado por novas leis e pelas lutas que continuam a mostrar que a ação coletiva é um dos motores mais poderosos da democracia.

About the Author

Raquel Azevedo
* Raquel Azevedo é técnica multimédia, produtora, activista sindical e cinéfila.

1 Comment on "Greves, inflação e plataformas: o sindicalismo volta à rua"

  1. 我来看看是咋么回事

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