Uma Canção das Balas

Vanda Azuaga *

Nas minhas crónicas anteriores falei-vos de situações concretas que vivi, com pessoas com quem me cruzei na realidade. Hoje trago-vos uma reflexão um pouco diferente. Que envolve as redes sociais e o que delas se espera. Passo a explicar. Há dias coloquei no meu mural do FB duas fotografias a preto e branco. Numa delas eu tinha dezasseis anos, outra tinha sido tirada há poucos dias, com os meus sessenta e quatro. Estas fotos despertaram interesse a mais de duas centenas de “utentes” do FB e muitos teceram comentários muito elogiosos. A frase que ilustrava as fotos pretendia refletir que eu era a mesma e no entanto tão diferente. E claro, não me referia apenas às rugas e imperfeições que o tempo traz mas a uma consciência de mim, de quem sou agora. Apenas escassos comentários mostraram que quem viu a publicação percebeu aonde eu queria chegar. Siga! Vivemos a era da imagem, pura e dura. Do superficial, da primeira camada das coisas. Do rápido. Verifico isso todos os dias mesmo quando quis construir uma história coletiva com os meus alunos do 2º ano – que depois eles teriam de copiar usando o computador. Alguns dos garotos, apercebendo-se de que quanto mais longa (e interessante, digo eu) a história se tornasse mais teriam de escrever, começaram a querer encurta-la e acaba-la à pressa. Mesmo que o conteúdo não fizesse sentido, por falta de continuidade e articulação de ideias. É sintomático ver esta reação em crianças de sete anos. Esquecem o prazer de criar, de imaginar, de fantasiar por causa do número de vezes em que os dedos se cansam a teclar.

Tive meia dúzia de gostos. Dois comentários. E não é porque as pessoas não leram, tenho a certeza.

Voltando ao FB: no 25 de abril, escrevi um pequeno texto em que dizia basicamente que a maioria da população portuguesa tinha ficado aliviada e feliz com o fim da guerra colonial. No entanto, parte da nossa população continua a concordar com o apoio com armas e material bélico a outras guerras que decorrem na atualidade. Será que os mortos “deles”, os estropiados “deles”, a destruição “deles” valem menos do que quando eram os “nossos”? No texto eu defendia o diálogo até à exaustão, pela Paz. Tive meia dúzia de gostos. Dois comentários. E não é porque as pessoas não leram, tenho a certeza. Na verdade, Paz, Liberdade, Democracia não se definem apenas pelo que diz o Priberam. Cada um toma-as à sua maneira. É muito mais fácil por um gosto num cravo vermelho do que refletir na expressão “carne para canhão”. E volto a lembrar a canção da balas de Adriano Correia de Oliveira – “Dá o Outono, as uvas e o vinho/ Dos olivais, azeite nos é dado/ Dá a cama e a mesa o verde pinho/ As balas deram sangue derramado”.

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Vanda Azuaga
* Vanda Azuaga é mulher do norte, gosta de escrever e de mexer na terra. Adora colher tangerinas da árvore, tanques de pedra, manhãs de nevoeiro e cheiro a maresia.

1 Comment on "Uma Canção das Balas"

  1. Vanda, como sabes, nasci em Moçambique e quando vim para Portugal, tinha começado a luta pela independência. Não saí de lá por causa disso. Tinha apenas no Porto possibilidade de fazer o curso que queria. Sempre defendi o fim da guerra e do sacrifício que foi para os soldados e para os legítimos donos daquele território tão explorado. Portanto, seja aonde for, ainda hoje lamento os mortos “dos outros”, a destruição “deles”, etc “deles”. Não há diferença. Como diz o Adriano, “…As balas [sempre] deram sangue derramado”.

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