A repercutir a decisão do governo de Javier Milei, que anunciou esta semana um plano de “purificação” do registo de cooperativas, que levará ao cancelamento de mais de 11 mil, que estavam já suspensas no âmbito da pandemia global, José Yorg sugere-nos esta semana uma entrevista concedida, na altura, ao Crítica Periodística.
Segundo reportagem desta semana do Clarín, a decisão de Milei interromperá o funcionamento de todas as cooperativas criadas entre 2020 e 2022. Além disso, a medida irá fiscalizar outras 4.355 cooperativas criadas já em 2023. A informação foi dada pelo porta-voz do governo, Manuel Adorni, que alegou que o registo cooperativo duplicou durante a gestão do anterior presidente, Alberto Fernández.

Será retirada a autorização de funcionamento de 11.853 cooperativas, que haviam sido já suspensas em 2019 e que, segundo Adorni, “por algum motivo que não entendemos e sem termos encontrado qualquer motivo, o governo anterior decidiu continuar o financiamento”.
O governo Milei alude que “o quadro de cooperativas aumentou 138% nos últimos quatro anos”; 70% não apresentam balanços ou reuniões; 22% repetem contactos entre si; 20% repetem o mesmo e-mail de registo e 9% compartilham um mesmo endereço de sede.
“Nas falsas cooperativas não é possível encontrar respeito e apego aos propósitos nobres que decorrem dos valores e princípios que a doutrina e a filosofia cooperativas preservam para a humanidade.”

Por José Yorg, o cooperário *
Estas expressões não implicam de forma alguma a minha concordância ou adesão às medidas políticas do presidente argentino, pelo contrário, rejeito tais medidas porque não correspondem a abordar uma rectificação de entidades tão nobres com esse procedimento, apesar de tudo. Deve ser estabelecido um Plano de Participação dos componentes destes grupos para melhorar e enquadrar-se nos valores e princípios do cooperativismo universal.
Entrevista concedida a Maximiliano Ochoa da Crítica Periodística:
“Aborda-se um tema duro, mas necessário e importante para esclarecer as diferenças substanciais entre as cooperativas autênticas e as chamadas pseudo-cooperativas”, alertou Yorg antes da entrevista.
“As distorções que ocorrem nestas entidades produzem danos sociais de difícil reparação, razão pela qual o seu tratamento reveste grande interesse e contribui assim para a superação de dúvidas e para a aquisição de clareza conceptual”, afirmou em jeito de introdução.
Quando podemos falar da existência de uma pseudocooperativa?
José Yorg: Quero contextualizar o ambiente em que está inserido este tipo de empresa denominada cooperativa, tendo em conta que as cooperativas são empresas sem fins lucrativos, ou seja, quebram um modo de organização produtiva baseado na primazia do capital sobre o trabalho. Possuem outra lógica de actuação, uma lógica de distribuição proporcional do benefício alcançado a partir do esforço equitativo, aspectos que colidem com a realidade circundante, praticamente hostil a elas, pois o mercado é regido pela lei da oferta e da procura, influenciando com seus subvalores de egoísmo, individualismo, maldade.
Nestas circunstâncias, é compreensível a dificuldade de adaptação aos valores e princípios cooperativos em todos os aspectos da vida empresarial e institucional das cooperativas, no entanto, estão a ser feitos progressos. Portanto, estamos perante uma pseudo-cooperativa quando essa entidade se recusa absolutamente a cumprir os valores e princípios que lhe são inerentes, nomeadamente: não realizam nem participam em planos ou projectos educativos ou de formação, não incentivam a participação de seus associados, desestimulam seus gestores, o controle democrático, a integração, a preocupação com a comunidade, não utilizam linguagem cooperativa e seus próprios associados, consequentemente, não valorizam a identidade cooperativa.

Como funcionam as pseudo-cooperativas e com que finalidade são criadas?
JY: Notemos que as cooperativas no mundo são o resultado da resolução de uma determinada necessidade de homens e mulheres. Foi assim que nasceram e foi assim que se desenvolveram. Quando o Estado intervém na sua vida institucional, muitas vezes causa distorções e até ataques. O abraço político-partidário dos governos deve ser equilibrado, uma vez que as cooperativas são empresas autónomas e independentes, porém, buscam voluntariamente acordos ou políticas de boa vizinhança com o governo, visto que os objectivos de busca do bem-estar social são concorrentes. As pseudo-cooperativas são criadas para fins inconfessáveis e operam fora dos valores e princípios cooperativos da própria lei; procuram minar a doutrina e a filosofia cooperativas com as suas ações mercantilistas.
É uma forma oculta de precarização do trabalho?
JY: Quando entramos no mundo do trabalho é preciso esclarecer que actualmente existem três origens de cooperativas de trabalho: poderíamos dizer, em primeiro lugar, aquelas que foram criadas tradicionalmente, com muita coerência fraterna, podemos citar em segundo lugar aquelas que provêm de empresas falidas ou recuperadas, e por último aquelas que respondem a planos sociais regidos por regulamentação especial (Res. Nº3026/06 INAES), pelas quais são denominadas “tuteladas”, por dependerem dos municípios e autarquias.
Estas duas últimas nasceram da derrocada económico-social que o nosso país enfrentou e recorreu-se a esta forma de figura empresarial para dar uma resposta laboral. Neste processo, não surpreende a presença de desvios em direção a interesses diversos, que inegavelmente dão conta de situações de insegurança laboral. É praticamente cotidiano saber através dos media sobre fraudes de todos os tipos, cometidas por essas cooperativas “arrogantes” que precarizam o trabalho, não pagam contribuições e contribuições sociais, são sonegadoras de impostos e outros.
Qual a percentagem de pseudo-cooperativas que acha que existem no nosso país?
JY: Não tenho números precisos sobre a existência de pseudo-cooperativas, ou “trutas”, porque não são divulgados. Sei, porém, que por parte do Instituto Nacional de Associativismo e Economia Social (INAES) são feitos enormes esforços para limpar o registo, excluindo aqueles que denotam malformação cooperativa; política, que, aliás, apoiamos. Os danos sociais e económicos causados por estas cooperativas são devastadores.
Numa pseudo-cooperativa, que importância é dada aos princípios e valores cooperativos?
JY: Neste tipo de falsas cooperativas não é possível encontrar respeito e apego aos propósitos nobres que surgem dos valores e princípios que a doutrina e a filosofia cooperativa preservam para a humanidade. Isso se baseia em suas metas e objectivos execráveis que surgem de seus pecados originais: criados para defraudar económica e educacionalmente seus associados e enviar uma mensagem desanimadora à sociedade, no sentido de “vale tudo” e de que a busca por um mundo melhor é uma tarefa difícil, perda de tempo. Elas são verdadeiramente profetas do ódio.
“O cooperativismo implica a possibilidade de um grande salto qualitativo na superação dos males que nos afligem em todo o mundo, esse é o seu desafio atual.”
O que pode nos dizer sobre a fiscalização que as cooperativas deveriam receber, principalmente aquelas que fazem parte do cooperativismo disfarçado?
JY: Estou inclinado a pensar e promover os preceitos da autonomia e da independência cooperativa. As cooperativas exigem respeito e consideração pelas suas ações nobres. O Estado tem no movimento cooperativo o seu melhor aliado na luta contra a marginalização e a pobreza e todos os vícios de uma sociedade filtrada por ideologias que promovem a lei do mais forte. As organizações criadas com a finalidade de controlo e fiscalização, bem como de promoção, tanto nacionais como provinciais, dispõem de recursos e mecanismos económico-financeiros suficientes para desempenhar a tarefa de forma eficiente e eficaz.
Apesar da existência dessas falsas cooperativas, como vê o futuro do cooperativismo no país, na América Latina e no mundo?
JY: A humanidade continua o seu caminho na busca pela construção de um mundo melhor, mais justo, mais solidário e mais cooperativo. Nessa busca, historicamente, passou por diferentes estágios organizacionais baseados na desigualdade: o estágio escravista, o estágio feudal, o estágio mercantilista e o actual, o estágio capitalista, que, aliás, está em crise senil. O progresso sempre foi feito apesar de tudo. O cooperativismo implica a possibilidade de um grande salto qualitativo na superação dos males que nos afligem em todo o mundo, esse é o seu desafio atual.
Nós, líderes cooperativos, carregamos nas costas essa formidável tarefa e missão: construir as Cooperativas do Século XXI. Repito mil vezes: o Cooperativismo que o mundo exige é aquele cooperativismo transformador, aquele que emergiu das entranhas sofridas da Revolução Industrial e das suas monstruosidades. Surgiu para modificar dos escombros uma civilização exausta por tanta tragédia e infortúnio.
O futuro que imagino é promissor para o Cooperativismo e para a própria humanidade, apesar de actualmente obscuro, se não conseguirmos avançar o risco é enorme, pois a vida da espécie humana está em causa. Portanto, devemos sair vitoriosos e frutíferos!
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