Alfredo Soares-Ferreira *
O fanatismo existe desde há muito, personificado, ou assumido por grupos e organizações, em todos os continentes e com arquitecturas diversas, com um tecto comum, que tende a considerar “o outro” como inimigo a desclassificar, destruir e, se for necessário, a eliminar. O fanático individual pretende, apenas e só, que todos sejam como ele. O termo “fanático”, remonta ao século XVIII, significando, na sua origem, “templo”, ou “lugar sagrado”.
Curiosamente, vai dar origem ao termo recente “fã”, com a conotação que se lhe conhece, de “adepto”, aquele que admira, ou mesmo idolatra, um artista ou desportista, da cultura, da arte ou do desporto. A enorme distância que separa um singelo fã, de um fanático da Ku Klux Klan, pode esbater-se quando a condição de fã se converte em obsessão, desenvolvendo uma narrativa unívoca, para a centrar num desejo de violência, que pode ser psicológica ou física. Enquanto o fã pode ficar pela simples admiração ou adoração, o fanático encara de raiz a possibilidade da acção directa. O caso do holiganismo, no futebol, é a transmutação do fã em fanático puro. O enigmático escritor norte-americano Eric Hoffer, escreveu, em 1951, uma obra muito conhecida, “Fanatismo e movimento de massas”, onde arrisca a comparação da acção do fanático com o que designa de criação do “caos completo”. No seu pensamento, identifica no fanático uma postura activa e de liderança, capaz de arregimentar outros com a mesma determinação. Todavia, é abissal a distinção entre uma comunidade de fãs da Marvel, um caso típico de apego a uma subcultura de um conjunto de fãs, unidos numa comunidade de apoiantes (“Fandom”) e uma organização nazi, racista ou mesmo fascista.
O fanático usa armas de todo o género, pratica o ódio identitário e tenta mobilizar as massas contra “o inimigo”, que é sempre um estrangeiro, no sentido daquele é simplesmente diferente.
A associação natural do fanatismo às religiões é a consequência directa do pensamento e das actividades seculares dos simpatizantes e apaniguados, desde a época da Reforma e que perpassam pelos séculos XVIII e XIX até à actualidade, com alguns exemplos caricatos, como, por exemplo, a oposição dos puritanos ingleses ao teatro público. Fanatismo que tem possivelmente um dos seus pontos mais altos na discriminação sobre as mulheres, impedindo-as ao acesso à educação e impondo-lhes práticas abjectas como a mutilação genital, em dezenas de países africanos e asiáticos.
Entre os Autores que tratam a temática do fanatismo, destaca-se o escritor israelita Amos Oz. A sua obra “Caros Fanáticos, Fé, Fanatismo e Convivência no século XXI”, de 2017, é, por um lado um libelo acusatório a todos os fanáticos e, por outro lado, a voz da sanidade emergindo da confusão, da mentira e do balbucio histérico, como afirma a escritora sul-africana Nadine Gordimer, Prémio Nobel da Literatura em 1991. Oz fala em “fanatismo comparado”, ao referir as diversas manifestações oriundas de convicções absolutas de natureza ideológica ou religiosa, que vão desde os anti-tabagistas, veganistas e outros fundamentalistas absolutos, até aos que espalham o terror um pouco por todo o lado, destruindo, queimando e matando. Diz o Autor, que contrapõe a diversidade, a inteligência e o humor ao fanatismo, que o fanático não discute, nem é capaz de absorver as sementes e os frutos das outras culturas. O fanático usa armas de todo o género, pratica o ódio identitário e tenta mobilizar as massas contra “o inimigo”, que é sempre um estrangeiro, no sentido daquele é simplesmente diferente. Aqui por perto, por exemplo, quando risca o rosto de pessoas em cartazes, naquilo que é seguramente um primeiro acto de destruição e eliminação.
O perigo que actualmente se discute e que polui, particularmente, o Ocidente em decadência, é o de uma Direita fanática. São, como diria Zeca Afonso, em 1963, vampiros, que “poisam nos prédios poisam nas calçadas…”, supremacistas brancos, neonazis, neofascistas e racistas de várias matizes, que no fundo não suportam que alguém pense diferente deles, seguidistas de um qualquer ser dotado de uma especial “ventura”. Os que saem à rua, clamando contra a “islamização da Europa“, não se contentando com a “brandura” das palavras, chegando mesmo a vias de facto, na provocação cobarde a cidadãos emigrantes residentes que vivem do seu trabalho.
Um filme de 2023, do realizador espanhol Rodrigo Sorogoyen, com o título “As Bestas”, inspira-se em factos reais, para desenhar uma estória de um casal francês que se muda para uma aldeia da Galiza, com o propósito de levar uma vida próxima da natureza, cuidando da sua horta e recuperando casas em ruínas com o intuito de atrair mais pessoas. Como estão frontalmente contra a invasão da aldeia pelo capital neoliberal que pretende instalar eólicas e afastar os cidadãos, com promessas de dinheiro, entram em colisão com dois irmãos vizinhos. O fanatismo rácico contra o casal vai-se desenvolvendo, adivinhando-se um final trágico. É uma imagem real, cujo título se enquadra na perfeição com a situação descrita.
Voltando ao Amos Oz, importa reter a sua afirmação, eivada de um certo humor, de que o fanático é um ponto de exclamação ambulante. Talvez a exaltação da violência gratuita, que Voltaire designava, no seu tempo, como ”doença do espírito” contra a razão, seja uma explicação para o fenómeno neo-conservador que atravessa este início de século, minando a sociedade, formando “bestas”, que se alimentam do descontentamento, que têm nomes que até arrepiam e que são simplesmente “Os Fanáticos”.
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