Por Sheyla de Azevedo *
Vi diversas referências de pessoas aqui nas redes sociais e em jornais falando sobre a coincidência da data 20 de Janeiro, da morte de Elza Soares, com a morte de um de seus maridos, o jogador de futebol, Mané Garrincha, que faleceu em 1983.
Dona não só de uma voz inigualável, como também de uma postura e de uma realeza ousadas para qualquer época, Elza não merecia no momento de sua morte estar à sombra de um homem que morreu na mesma data que ela.
Mesmo que esse tenha sido “o grande amor de sua vida”, como declarara algumas vezes. Elza é muito mais que isso. Ambos se conheceram em 1962, na Copa do Mundo no Chile. Garrincha era casado na época e, um ano depois, separava-se de sua esposa para ficar com ela.
Só em 1964 oficializaram o casamento. Ter-se apaixonado, à época, por um homem casado lhe custou muito caro na carreira. Foi vítima de críticas e julgamentos. Não bastasse isso, a relação entre ambos não era boa.
O jogador alcoolista (alcoólico) costumava agredir a “voz do milénio”. Separaram-se em 1982. No ano seguinte ele morria de cirrose hepática.
Ela casou-se a primeira vez aos 12 anos. Se é que alguém pode se casar aos 12 anos. Melhor seria dizer, casaram-na aos 12 anos. Ao longo da vida teve oito filhos. Elza era daquelas mulheres forjadas na dor, pelas pisadas de coturnos, sapatilhas de arame e alpercatas de aço, como disse o poeta.
Não era só uma cantora, mas uma mulher negra, de periferia, que se reinventou até os 91 anos! Morreu trabalhando. E morreu lamentando que – embora tivesse conseguido superar com seu talento e reconhecimento dificuldades financeiras que tantas vezes a fez habitar no “planeta fome” – seu povo, o povo brasileiro, não tivesse a mesma chance.
“Não dá para ser feliz vendo a infelicidade dos outros, do coletivo”, disse ela em um vídeo que eu postei em outra rede social. Eu não estou aqui me autorizando a ser especialista em Elza Soares. Só fazendo uma pincelada ínfima do que ela representa para a Música Popular Brasileira, para a música mundial, para o feminismo, para a negritude e para o coletivo.
Basta ouvir suas músicas. Fazer referência à coincidência dessas duas datas da morte é daquelas coisas que patinam no machismo.
* Sheyla de Azevedo é jornalista e cronista brasileira.
Be the first to comment on "Opinião: Elza Soares, Planeta Ela"