Alfredo Soares-Ferreira *
Em Setembro de 2015 a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou o texto dos designados Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com a intenção expressa de acabar com a pobreza, proteger o ambiente e promover a prosperidade e o bem-estar de todos. E de, até 2030, criar um “modelo global de governança”. Nesse ano (2015) terminava o período de quinze anos dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), iniciado no ano 2000. Três anos antes do fim da vigência dos ODM, durante a Conferência Rio+20, em 2012, alguns países haviam já renovado o compromisso com o designado “desenvolvimento sustentável”, com a perspectiva de realizar o que não tinha sido possível fazer, em termos de cooperação internacional, particularmente com os países em desenvolvimento. Tal foi aliás o conteúdo da Resolução nº 66/288 (O Futuro que Queremos), que mencionava a necessidade de renovação da mobilização internacional pelo desenvolvimento, sem deixar ninguém para trás.
Na sequência de algumas iniciativas, inspiradas nos ODM, a pobreza foi efectivamente reduzida em diferentes partes do mundo. Porém, como tais iniciativas não eram suficientes, impunha-se à comunidade internacional um desafio para combater as desigualdades, regionais e entre os cidadãos de todo o mundo. A ideia, pretensamente mais ambiciosa e de visão transformadora para renovar o compromisso de superar os desafios, com atenção especial aos mais pobres e vulneráveis, consubstanciada na Agenda 2030, fica pelo caminho, a todos os níveis. Porque há uma outra agenda que pretende consolidar o poder, real e enfático, dos poderosos, que representam apenas 1% da população mundial, a agenda neoliberal, de contornos proteccionistas e desumanos. Dessa forma, os dezassete objectivos, pretensamente sustentáveis, não passam hoje de uma miragem. A transferência de renda do trabalho para o capital mostra a incapacidade e impotência da Organização das Nações Unidas, que pretendia “mobilizar os meios necessários para a implementação da Agenda através da revitalização do Pacto Global para o Desenvolvimento Sustentável, baseado no espírito de cooperação e solidariedade globais, focada nas necessidades dos mais pobres e vulneráveis e a participação dos países.”
“A prática demonstra a inviabilidade
da sustentabilidade deste
sistema de desenvolvimento,
uma vez que a sua génese se baseia
na exploração dos recursos naturais e
na acumulação ilimitada de capital”
No início deste mês de Setembro 2023, a directora do Programa Alimentar Mundial no Afeganistão alerta para uma catástrofe iminente, determinada pela decisão da ONU em cortar a assistência alimentar a mais 2 milhões de pessoas naquele País, elevando para 10 milhões o número de pessoas que este ano deixaram de receber apoio.
A ONU fala num “um enorme défice de financiamento” para o Programa Alimentar Mundial (PAM), dizendo ser obrigada a “escolher entre os que passam fome e os que estão a morrer de fome“. Em comunicado enviado a 5 de Setembro, o responsável do PAM no Afeganistão Philipe Kropf diz que a organização é “forçada” a cortar o financiamento “por falta de fundos“. Entre intenções e realidade vai um fosso enorme, que mostra como funciona o sistema económico que, todos os dias, exclui deliberadamente milhões de pessoas, condenando-as à categoria de infra-homens, uma asserção utilizada em 1970, pelo arcebispo brasileiro Hélder Câmara, quando denunciou a forma escandalosa a que eram condenados seres humanos a viverem em condições de fome e miséria.
Os designados ODS baseiam-se numa premissa que é falaciosa, a do “desenvolvimento sustentável”. Na verdade, a prática demonstra a inviabilidade da sustentabilidade deste sistema de desenvolvimento, uma vez que a sua génese se baseia na exploração dos recursos naturais e na acumulação ilimitada de capital, afinal a origem de todos os impasses e injustiças do capitalismo. Se o desenvolvimento sustentável é aquele que quer atender as necessidades presentes, sem comprometer as necessidades futuras da humanidade, então é necessário procurar a razão dos desequilíbrios provocados por um sistema económico que, ao financeirizar a economia, permite e consolida o domínio dos grandes monopólios financeiros, ou seja, do capital financeiro. Ao não abordar a questão central, os ODS perdem-se em declarações de circunstância, com a realidade a mostrar, na maior parte das vezes, o contrário da retórica e do discurso. O economista e sociólogo mexicano Enrique Leff fez notar a incompatibilidade formal entre o designado desenvolvimento sustentável e a racionalidade económica, pautada no consumismo desenfreado e na exploração dos recursos naturais. Seria necessário, no entender de Leff, uma mudança de paradigma, para que os objectivos e metas supostos na Agenda 2030 tivessem algum significado e exequibilidade.
Todavia, a realidade aí está para demonstrar que as Nações Unidas são perfeitamente incapazes de dar respostas convenientes e em tempo oportuno. Enquanto uma significativa parte das verbas disponíveis é utilizada no apoio à guerra na Ucrânia, o orçamento do PAM sofre uma retracção de 14 mil milhões de dólares, quando as necessidades aumentaram para 23 mil milhões. Aquele apoio cifra-se em mais de 120 mil milhões de dólares, que representam três vezes mais do que a própria ONU estima ser necessário para acabar com a fome no mundo, em cada ano. E, segundo se sabe hoje, apenas 5% daquela verba é destinada ao apoio e ajuda humanitária das populações do País.
O jornalista brasileiro Jamil Chade afirmou, a este propósito, no início deste ano, que a comunidade internacional poderia erradicar a insegurança alimentar em países como Somália, Burundi, Comores, Sudão do Sul, Síria, Iêmen, África Central, Chade, Congo e Madagáscar, com uma verba equivalente a 40 mil milhões de dólares, por ano, até 2030.
Entretanto, ao arrepio das intenções, são pelo menos 10 milhões de seres humanos num só país que vão “mesmo ficar para trás”.
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