Alfredo Soares-Ferreira *
Quando as partes se reúnem será de esperar alguma luz, que iluminando as ditas, lhes confira um grau de transparência, ou no mínimo, alguma luminosidade. Por vezes, a cor real pode ser ligeiramente diferente da imagem de cartaz. Contudo, haverá sempre luz, a não ser que esta se apague, por razões conhecidas ou desconhecidas. Iluminar, é também uma forma de valorizar o design, no que toca a publicidade.
As “partes” que ora se reúnem, até ao próximo 12 de Dezembro, no Dubai, vão procurar, ao que consta sob pressão da Europa, um eventual acordo sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Poderá ser uma das decisões centrais da COP28, a designada “Conferência das Partes”, que se realiza num dos estados mais poluidores do Mundo, os Emirados Árabes Unidos (EAU). Os diplomatas e líderes mundiais, que representam as ditas “partes”, embora representem muito pouco, ou nem sequer representem, os anseios legítimos dos cidadãos, reúnem-se para supostamente avaliarem a situação das mudanças climáticas no planeta. Porque, a acreditar em documentação oriunda da insuspeita BBC, supõe-se que os anfitriões vão aproveitar o encontro para fechar acordos sobre petróleo e gás com países participantes, circunstância que aliás os próprios nem sequer desmentiram.
(…) Orientando e conduzindo o discurso para a chamada “economia verde”, uma falácia e até uma fraude, e do oprobrioso conceito de “desenvolvimento sustentável”
O geólogo brasileiro Geraldo Luís Lino, co-autor da obra “Máfia Verde”, escreveu, em 2019, um interessante texto a que chamou “Greta Thunberg e a Cruzada das Crianças Verdes”. Neste artigo, o autor associa a ascensão meteórica da jovem estrela sueca, utilizada como um instrumento de agitação e propaganda para “legitimar” aquele que se perspectiva como o maior negócio dos tempos modernos. Na verdade, segundo Geraldo, foram as movimentações das maiores empresas capitalistas do mundo, que deram cobertura a Greta, as mesmas que estão por trás dos grandes negócios relacionados, directa ou indirectamente, com a “transição energética”, como as empresas do ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, o Goldman Sachs, a Pepsi, a General Motors, a Google, a Pfizer e, naturalmente, as “âncoras do neoliberalismo”, a OCDE, o FMI e Banco Mundial. E assim se interroga o autor, ao tentar entender como pessoas e organizações que contribuíram para estragar o clima estão agora empenhadas em salvá-lo.
Um caso muito particular deste tipo de “atitude” é a empresa “We Don’t Have Time”, criada pelo empresário sueco Ingmar Rentzhog, um movimento e uma startup tecnológica que aproveita o poder das redes sociais para responsabilizar líderes e empresas pelas alterações climáticas. Como consta dos seus propósitos, citados no sítio da empresa, “criar uma plataforma de redes sociais para o futuro orientada pelo maior desafio dos nossos tempos – o clima. Através da nossa plataforma, milhões de membros unir-se-ão para pressionar líderes, políticos e empresas a agir pelo clima”. Para completar o cenário, Rentzhog é também presidente da ONG Global Utmaning (Desafio Global, em sueco), constituida para “criar plataformas de cooperação entre as áreas de investigação, negócios, política e sociedade civil… para acelerar transformações rumo a comunidades sustentáveis”.
É essencial que hoje se faça uma interpretação correcta dos fenómenos ecológicos e, por arrasto, de questões como a do clima. Enquanto prevalecer um pensamento ambientalista, muitas vezes desprovido de uma visão ecossistémica e que utiliza um discurso restritivo, fechado e acrítico, longe da realidade contextual, estamos simplesmente na esfera da designada “ecologia de superfície”. Que se afasta quase sempre das questões políticas, agindo sobretudo sobre os efeitos e raramente sobre as causas. Por essa razão é vulgar encontrar o destaque sobre descarbonização, poluição, dizimação da biodiversidade, esgotamento dos recursos, orientando e conduzindo o discurso para a chamada “economia verde”, uma falácia e até uma fraude, e do oprobrioso conceito de “desenvolvimento sustentável”. Enunciar a interpretação de uma “ecologia profunda” será a alternativa para equacionar as verdadeiras questões da actualidade. Com base nos estudos do filósofo norueguês Arne Næss, que cunhou aquele que é hoje um conceito, o sociólogo norte-americano Bill Devall é autor da obra “Deep Ecology: Living as if Nature Mattered”, de 1985, em conjunto com o filósofo norte-americano George Sessions. Nesta obra procura-se redireccionar o pensamento e a acção ambientais de uma perspectiva superficial e antropocêntrica para uma perspectiva profunda e holística, ao fim e ao cabo, uma posição humanista e ecocêntrica, que coloca o ser humano como uma parte da natureza e que determina o seu comportamento em equilíbrio com ela. Na verdade, precisamos hoje, mais do que nunca, de despertar a nossa compreensão da sabedoria da Terra e de cultivar uma consciência ecológica. Precisamente tudo o que está afastado da compreensão das “partes”, neste evento de fachada e que nada tem a ver com as questões essenciais da humanidade.
Mas acontece que as “partes” estão, ao que parece, desavindas. Enquanto os especialistas defendem o fim do uso dos combustíveis fósseis, o sultão Al Jaber, que é, ao mesmo tempo, presidente da conferência e CEO da companhia estatal de petróleo dos EAU, afirmou que “não há ciência” que indique a necessidade de eliminar o uso de combustíveis fósseis para limitar o aquecimento global a 1,5°C. Al Gore, criticou os EAU, dizendo que nomear este ano os anfitriões como supervisores das negociações internacionais sobre o aquecimento global é um “abuso da confiança pública”.
Desavenças à parte, estão juntos na tentativa de “salvar” o capitalismo e o neoliberalismo, os responsáveis pela exploração desenfreada dos trabalhadores e pela degradação e destruição do planeta. Um significativo exemplo é dado pelo multimilionário Jeff Bezos, fundador da Amazon, o tal que doaria a maior parte da sua fortuna para “fins filantrópicos”, e que disse, em 2019, que precisamos de ajudar as petrolíferas em vez de as difamar.
“O ser humano não suporta tanta realidade”.
como disse T. S. Elliot.
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