
Raquel Azevedo *
Nasci numa aldeia do concelho de Vila Nova de Famalicão, onde vivi grande parte da minha vida, infância e adolescência. Sem muito me dar conta e nota das questões de igualdade de género, do que é no dia a dia ser mulher e ter de lutar para o seu espaço, quer na vida profissional, quer na pessoal.
Cresci numa família onde desde de cedo as mulheres foram habituadas a fazer-se à vida, como se diz… indo trabalhar muito cedo, cumprindo a escola obrigatória e depois partem para o mundo do trabalho. Sendo verdade, que é uma grande realidade do nosso país, que nos acompanhou ao longo destes anos. Que mesmo após a Revolução de Abril, e tantas lutas feitas, continuamos ainda a ter de lutar, nos dias de hoje, sem poder ceder um passo em nenhuma destas reivindicações.
“Você deve agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo.”
Angela Davis
Vale do Ave, região conhecida pela sua forte mão de obra fabril, e de muitas destas mulheres, nomeadamente a minha mãe. Viu a sua vida passar pelas paredes de uma fábrica têxtil desde dos seus 13 anos. Como ela a suas irmãs e muitas colegas da freguesia, era assim e muitas vezes a expressão que ouvimos quando falamos sobre estes tempos, com elas. Que por vezes parecem longínquos, mas que na boa verdade nunca desaparecem, pois a mulher continua a ter de lutar no seu dia a dia, por ter salários iguais, as mesmas oportunidades profissionais, continua a ter que ser a cuidadora da casa e ter o seu segundo trabalho, a que chama a dupla jornada. Que ainda hoje, depois de movimentos, coletivos e associações em diferentes países do mundo terem saído à rua e terem debatido em outros espaços. Sobre estas questões, elas continuam ainda a ser ignoradas por muitos, em muitos países.
Eu comecei a dar-me nota de que deveria pensar, mas não só, agir, assim que comecei a entrar no mundo do trabalho. Pois na verdade, até então, não, não ligava. Vivi o meu tempo, o meu espaço, sim se calhar de forma egoísta.

Quando começamos a trabalhar, independentemente do setor, percebemos que a realidade é diferente, que apesar de já se falar mais e de terem sido dados alguns passos, ainda há muito para fazer, apercebi-me claramente quando senti em diferentes espaços que a frase mais usada ou pensada é muitas vezes: Aí é mulher não sei se consegue… as mulheres são muito sensíveis e emotivas. E eu pergunto se ser sensível ou ter outro tipo de sentimento muda aquilo que somos capazes de construir e ser na sociedade? Se pensarmos bem, como é possível que uma mulher faça o mesmo trabalho que um homem e não receba o mesmo? Porque e como a maioria dos altos cargos, quer seja em empresas, quer em muitas instituições públicas, são ocupados por homens somente e ainda.
Deixo aqui a questão e reflexão: Achamos que por pensar e instituir quotas para lista eleitorais, parlamento entre outras, que foi sem dúvida, sim muito importante, mas será o suficiente?
A que mulher que continua ainda a trabalhar e que chega ao fim do dia com menos salário que um homem e ainda tem a sua dupla jornada sem vencimento, sem muitas vezes apoio de quem quer que seja. Que dizemos, que fazemos? Muitos acham que sair à rua e ser feminista é ser histérica, eu respondo não! É dizer que queremos ter visibilidade pelo que somos e pelo que fazemos nos diferentes espaços da sociedade! E que o reivindicamos a cada instante e que estamos unidas, sim!
Eu, Raquel, continuarei na rua a cada manifestação, a cada encontro de reflexão e de debate a dizer: SIM ESTOU AQUI PARA ESTA E PARA TODAS AS LUTAS QUE DIGNIFICAM O VALOR E O QUE É SER MULHER! E que saibamos que cada dia 8 de Março é um espaço de luta, mas também de comemoração do que é ser mulher. Assim como, cada 25 de Novembro sairemos à rua para dizer que a violência contra uma de nós, será contra todas nós!
Portugal tem avançado na igualdade de género, mas ainda está abaixo da média europeia
O Índice de Igualdade de Género coloca Portugal 2,8 pontos abaixo da média da União Europeia, mas o país regista “uma das maiores melhorias entre os Estados-membros”. Saúde é uma das áreas a melhorar.
Retirado do artigo do Público de 23 de outubro de 2023, de Cristina Faria Moreira.
Be the first to comment on "Narrativas de Mulher"