
Vanda Azuaga *
Eu já sabia que o meu corpo reage com violência a qualquer ferradela de inseto. As melgas eram das minhas piores inimigas. Eram, isso mesmo. Dito no passado. Agora que conheço as formigas ninja, as melgas são inocentes (vá lá, quase!). Pra quem as imagina grandes, focinhudas que nem aliens, negras e potentes, desenganem-se. São minúsculas, ruivinhas (ó que giro!), quase não se vêm. Quando abri pela primeira vez as gavetas da cozinha e os armários da casa onde vim habitar, estranhei a presença de um pó branco. Encolhi os ombros e limpei. Errado! Era mesmo pra deixar ficar. Passados dias, um exército de formigas muito pequeninas deslizava pelas portas, pelas ranhuras, pelo balcão da cozinha. Nessa altura ainda não tinha experimentado uma ferradela delas e mais uma vez, sem grandes cuidados peguei num pano molhado e fui-as dizimando e afogando na banca. Foi aí que perguntei o que fazer e me aconselharam a comprar o tal pozinho branco que passei a espalhar junto a rodapés e portas. E umas comichões estranhas começaram a dar-me no corpo, umas bolhas que alastravam em manchas duras e vermelhas. Foi assim que conheci as ninja!

Com o pó, apareceram uma data delas mortas pelo chão e eu descansei. Um dia cheguei a casa, cansada e cheia de calor e fui tomar um duche. A minha toalha grande estava pendurada atrás da porta da casa de banho. Enrolei-me nela mal saí do chuveiro e fui literalmente picada no corpo todo. Parecia que me espetavam agulhas! Sacudi a toalha e não havia bicho nenhum. Cheguei a pensar que fosse qualquer químico na água pois parte do meu tronco ardia e estava a ficar vermelho. E só quando olhei melhor as fibras do felpo do toalhão azul-claro é que vi dezenas, centenas delas a passearem-se entre os fios. A porta da casa de banho estava pejada de formigas a subir e descer, vindas de uma tomada elétrica, dali passaram para a toalha e depois para mim. Passei uns dias, talvez quase duas semanas com comichão, ardor, borbotões na zona das costas, peito, barriga e braços. Fui à farmácia e deram-me uma pomada e tomei anti-histamínico que costuma andar comigo, just in case.
Um exército de formigas muito pequeninas deslizava pelas portas, pelas ranhuras, pelo balcão da cozinha.
No sábado senti uma pálpebra inchada e dorida. Ao princípio não liguei, mas à medida que o dia avançava, a zona por baixo do olho direito ficava inchada e vermelha. O desconforto foi piorando e no domingo, com o olho muito inchado fui a uma consulta. Gotas de antibiótico (um amigo tinha em casa por já ter tido uma situação semelhante e deu-mas); pomada (já tinha das vezes anteriores) e o anti-histamínico da praxe. A médica receitou ainda uns comprimidos de cortisona, para acelerar a cura. Mas era domingo e a única farmácia de serviço ficava muito longe. Eu não consegui apurar quantas farmácias há na cidade da Praia, mas seguramente são muito poucas para aquilo que nós, europeus, estamos habituados. Mais uma vez, não tinha ali ao lado, disponível, aquilo de que precisava. Como o caso não era assim tão grave, esperei pela segunda-feira e por uma farmácia mais perto. Mas dá que pensar, lá isso dá. Os dados que contribuem para os indicadores de desenvolvimento parecem apenas números até que nos batem à porta – e somos nós quem não tem acesso a uma diversificada gama de serviços que tomamos como garantidos. Por tudo isso, é bom não esquecer as conquistas de abril e valorizar o SNS. É que, quando eu era miúda e vivia em Trás-os-Montes, as coisas por lá não eram assim tão diferentes…
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