Diego Veiga *
Mahatma Gandhi foi uma grande liderança indiana na luta pela independência de sua nação. É lembrado por ser um pacifista, de utilizar-se da desobediência civil e do jejum como forma de protesto contra a dominação inglesa. Mas algo pouco lembrado e discutido é o swadeshi, o boicote aos produtos importados, com especial atenção, como é óbvio, aos da Inglaterra. Gandhi propunha que os indianos utilizassem somente o khadi, uma vestimenta tecida em casa, artesanalmente, e não comprassem as roupas inglesas. Ele também esteve a liderar a Marcha do Sal, Dandi Satyagraha, quando milhares de pessoas foram ao mar coletar seu próprio sal como forma de desobediência civil, pois esta ação era proibida. Elas eram obrigadas a comprar sal da Inglaterra.
Com isso, Gandhi, na prática, ensina que o consumo é política, é protesto, faz parte de um conjunto de práticas em prol de uma transformação social. Consumir da Inglaterra, naquela conjuntura, era literalmente financiar o processo colonizador de dominação britânico.
O consumo não pode ser visto como algo neutro, somente uma escolha individual de produtos e serviços mais ou menos baratos, com mais ou menos qualidade. A escolha do que e de quem consumir é algo fundamentalmente político. Essa escolha pode financiar um mundo mais desigual ou mais igualitário. Comprar uma roupa de uma empresa que utiliza práticas análogas à escravisão na sua confecção, é apoiar essas práticas. Comprar de uma cooperativa, como a brasileira Justa Trama, é apoiar um processo agroecológico de produção de algodão, com uma divisão justa dos recursos, pois lá não existem patrões ou empregados, são todos cooperados.
Escolher comprar frutas e verduras em grandes redes de supermercados que, como foi explanado em texto anterior, pagam o mínimo para o produtor visando lucros abusivos, também colabora com essas práticas de exploração. Em contrapartida, pode-se construir ou participar de grupos para consumir diretamente do produtor ou, se estiver em Portugal, aderir a cooperativa Fruta Feia, uma bonita iniciativa para diminuir o desperdício alimentar. Eles compram frutas e verduras “feias”, que não tem a aparência vista como padrão de qualidade, mas que são boas para o consumo, e entregam em pontos de coleta para os consumidores. A compra é feita diretamente dos produtores, com um preço justo, impedindo que esses alimentos sejam desperdiçados por falta de comprador.
Um olhar atento, aprofundado e reflexivo à nossa história pode nos auxiliar a entender o porquê de vivermos em um mundo com tanta desigualdade, mas também nos auxilia a identificar potentes estratégias e práticas de transformação social que podem ser apreendidas, transformadas e potencializadas. O entendimento do consumo enquanto ato político, como bem nos ensina Mahatma Gandhi, pode nos auxiliar nesta empreitada.
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