A terra, a empresa para quem trabalha

Nota do editor: Este artigo remete ao conceito (e política económica) de “Empresas Recuperadas” na Argentina. Curiosamente, o próprio texto foi, à sua maneira, “recuperado” de um portal de conteúdos extinto, e transcrito com a colaboração da professora Ana María Ramírez Zarza, também cooperária da Tecnicoop. As origens deste modelo de incentivo do cooperativismo argentino é aqui comentado por José Yorg.

“Tal como a classe dos trabalhadores está a substituir os representantes do individualismo capitalista no panorama político, também a classe dos trabalhadores está a substituir progressivamente as empresas individualistas por novas organizações de tipo cooperativo.”

Juan D Perón

“Isto significa que os trabalhadores, devido à evolução económica natural do nosso sistema, adquirem progressivamente a propriedade direta dos bens de capital da produção, do comércio e da indústria. Este caminho, ao longo do qual já avançam os trabalhadores argentinos, tem um percurso longo mas frutífero e permitirá ao povo aceder à gestão da sua própria economia. O antigo ideal do povo, em plena posse dos seus direitos políticos, sociais e económicos, será então realizado, e nesse momento a justiça social atingirá o ápice dos seus objectivos totais e a doutrina peronista será a mais bela e absoluta de todas as realidades”, Juan D Perón.

Por José Yorg, o cooperário

Fingindo ter um momento de lazer, ligamos a televisão e procuramos um filme que cumprisse o propósito de relaxamento, tal coisa não aconteceu pois assim que vimos e ouvimos uma cena do filme “Indústria Argentina” [Del Toro Films, 2011], tudo virou concentração e debate.

O filme, cujo realizador Ricardo Díaz Lacoponi a partir de guião próprio, aborda as vivências dos trabalhadores de uma fábrica que está em falência. Neles se desencadeiam as paixões mais individualistas e covardes e ao mesmo tempo irrompe a camaradagem e a solidariedade, pródigas entre os trabalhadores. Os trabalhadores lentamente se conscientizam, mas avançam e se consolidam.

Os atores principais Carlos Portaluppi, Eduardo Cutuli, Daniel Valenzuela, Luis Margani, e a participação especial de Soledad Silveyra, evidenciam aquelas paixões humanas que atravessam os espaços mais íntimos, lugares de consciências alienadas, de egoísmos mesquinhos. O poder de um Estado decadente, cúmplice da pilhagem de empresários incapazes de encontrar fórmulas de gestão conjunta.

Cena da película “Indústria Argentina”.

O caminho é árduo e sofrido em termos de consciência, pois não possuem uma formação política que os coloque na luta para a qual foram empurrados pelo capitalismo globalizado, mas é também um caminho de recuperação humana, de reivindicação da beleza do mundo do trabalho, onde eles se descobrirão na antecâmara de seus atributos: a cooperação feliz.

É a cooperativa que surge como uma esperança concreta, asas que serão lançadas com medo, dúvidas, incógnitas, muitos questionamentos.

É nesse momento que surge entre nós o atroz crime social dos responsáveis ​​pela gestão educacional oficial: privaram estes homens, e milhares e milhares como eles, do mais nobre conhecimento da educação e formação cooperativa.

O obstáculo mais difícil está na coordenação empresarial, que se manifesta na necessidade de estabelecer relacionamentos com fornecedores e compradores. É evidente a desapropriação educacional dos conhecimentos de administração e gestão. É o elemento de fraqueza e ameaça perante a estrutura judicial. O trabalho, a produção o conhece perfeitamente.

A década de 1990 na Argentina significou o ataque neoliberal a um povo anteriormente atingido pela ditadura, apanhado desprevenido, desorganizado, traído pelos líderes políticos e sindicais, mergulhado assim num turbilhão de desindustrialização com consequências assimiladas.

A resposta dos trabalhadores, denominadas “fábricas recuperadas”, significa eloquentemente o avanço de um rumo que a humanidade deve assumir para o bem da sua própria espécie.

A educação e a formação cooperativas desafiam o sistema educativo face à despossessão educativa que apontamos acima.

Os fatores da produção, o capital, a organização, a terra, devem ser para quem nela trabalha. Esta é a equação revelada. É a fórmula económica humana. É a personificação da cooperação que devolve a Humanidade.

A condição humana tem na educação cooperativa o seu maior aliado, é a resposta pedagógica correta porque possui os atributos didáticos que combinam o doutrinário com as ciências em perfeita harmonia. É uma pedagogia teórica e prática excepcionalmente emancipatória da opressão económica e política e alienação mental. Diante de tantos excessos, tanta destruição, fome e injustiça social, deve contrapor uma vigorosa ação cooperativa.

O filme “Indústria Argentina” é uma das muitas lições refletidas sobre a realidade que o mundo sofre pela desrazão da ficção da oferta e da procura, da comercialização da vida, da natureza.

As cooperativas como organização produtiva colocam os fatores a terra, o trabalho, a organização e o capital para trabalhar com outra lógica, com outros valores e princípios. É o futuro presente, é isso o que são.
Em fraternidade, um abraço cooperativo!

Trailler oficial do filme.

About the Author

Jose Yorg
José Yorg é educador e docente técnico em Cooperativismo, membro da Rede de Investigadores Latinoamericanos de Economia Social e Solidária (RILESS), que envolve universidades da Argentina, Brasil, Equador e México. Este argentino nascido em Assunción (Paraguay) desenvolve actividades na Tecnicoop, na província de Formosa, onde é também perito judicial técnico em Cooperativismo no Superior Tribunal de Justiça.

Be the first to comment on "A terra, a empresa para quem trabalha"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*