Alfredo Soares-Ferreira *
A precisão de linguagem poderá ser um artefacto para escrever, falar, comunicar, ou apenas um preciosismo da forma de expressão. A passagem do pensamento para a linguagem pode ser fluida e coerente, ou um artifício por vezes difícil de entender, muitas vezes por opção do comunicador, na vida e na política. A relação entre linguagem e pensamento foi sempre um objecto de estudo, ao longo dos tempos. A chamada linguagem natural que, por defeito utilizamos, depende de símbolos e regras, está sujeita, por força de idiomas e sigmas, a ambiguidades. Os primórdios da era informática determinaram o aparecimento de novas linguagens, designadas linguagens de programação, que estabelecem uma ponte para a linguagem natural, que os computadores “não entendem”. Por vezes a linguagem natural também não é entendível entre humanos, entramos no campo da subjectividade e perde-se o sentido da comunicação.
A aposta na banalização da linguagem na arena política, na era actual, apresenta muitos exemplos do desajuste entre pensamento e linguagem. O filósofo alemão Johann Fichte, um idealista da Universidade de Iena afirmou, no texto “Da faculdade de falar e da origem da linguagem“, que a linguagem é simplesmente a expressão dos nossos pensamentos por signos arbitrários e daí o acto de falar é a capacidade de expressar o pensamento.
Percorrendo as linguagens, desde a antiguidade, encontraremos algumas tipologias interessantes, ligadas intimamente à política. A linguagem matemática, criada a partir da necessidade das pessoas de medir e contar objectos, cujos símbolos são como uma linguagem, criados à medida do desenvolvimento da ciência, ocupa hoje um lugar de destaque na arena neoliberal de tal forma que grande parte das nossas preocupações se centra em orçamentos, dívidas, défices, estrangulamentos financeiros e outras que desabaram sobre as pessoas, como meteoros desordenados. A linguagem telemática, uma novidade do século XX, surge associada ao termo que pretende juntar a informática e as telecomunicações, numa “ciência” própria. Interpreta a ideia de um espaço virtual concretamente existente, que se define através de uma simbologia específica, hasteada em abreviaturas e jargões técnicos, incompreensíveis para uma maioria imensa, mas adaptadas a essa maioria, que, sem dominar a linguagem, se apropria dela, para simplesmente comunicar de forma virtual. Se o domínio da técnica se realiza plenamente como domínio linguístico, segundo o filósofo alemão Martin Heidegger, ele não será suficiente para justificar uma revolução no pensamento. Será talvez uma profunda reflexão crítica sobre os efeitos da evolução técnica e tecnológica na modernidade, como sustentou o antropólogo francês Bruno Latour, na sua obra de 1991 “Nous n’avons jamais été modernes: Essai d’anthropologie symétrique”, onde deixa bem patente que as novas ferramentas são apenas isso mesmo, preferindo dar especial atenção à interacção entre o discurso científico e a sociedade. Nomeadamente, na política.
“A fantasia é um alimento para a imaginação e para a criatividade”
Alexander Kluge
Uma tipologia diversa, por entrar no campo das emoções é, sem sombra de dúvida, a linguagem silenciosa. Poderá ser o poder do silêncio uma interpretação da auto-defesa dos cidadãos, contra os súbitos ataques, quiçá violentos, de um sistema injusto e desigual? Uma resposta possível poderá ser encontrada no conceito que defende a linguagem como um instrumento privilegiado de poder, uma entidade produtiva e interactiva nas relações sociais. O poder da linguagem terá mais ou menos eficácia, conforme os recursos retóricos (ou estilísticos) utilizados no discurso. Se nos apropriarmos do título da obra do escritor britânico T. E. Lawrence, “Os Sete Pilares da Sabedoria”, diríamos que a linguagem poderia figurar como um deles. O investigador argentino Ernesto Laclau transporta-nos para o terreno social, quando o interpreta na lógica do discurso, uma das funções da linguagem. Segundo Laclau, o discurso deve ser uma categoria que une palavras e acções, de natureza material e não mental e não somente o simples reflexo de conjuntos de textos a serem compreendidos. Entretanto, a política da “moderação” colocou a linguagem ao centro, redonda, desprovida de alma e da radicalidade necessária para o avanço das civilizações. O discurso dos “centristas”, propositadamente oco, vazio e sem conteúdo, serve apenas para disputar lugares na política, para ganhar eleições e depois ficar atolado ao centro.
A fantasia é também, sempre o foi, uma forma de linguagem, particularmente na criança, no seu mundo próprio, na sua forma de o interpretar. A fantasia é um alimento para a imaginação e para a criatividade. Assim a define o escritor, crítico social e realizador alemão, Alexander Kluge, que refere o poder da linguagem ficcional e documental, na criação de cenários especiais, colocando o espectador na dúvida se o que está a ver é ficção ou realidade. O Autor, que é considerado como um dos mais importantes intelectuais alemães contemporâneos, privou com o filósofo alemão Theodor Adorno e com o cineasta austríaco Fritz Lang e desencadeou o movimento do Novo Cinema Alemão. Diz-nos, bem a propósito, que há formas de fantasia que escapam à domesticação imposta pela esfera pública burguesa. Num tempo de aproximação a um acto eleitoral, importa falar, por exemplo, da domesticação provocada pelas inevitáveis sondagens e dos cenários de interpretação virtual da realidade, para afinal, simplesmente, induzir o voto.
George Orwell disse que a linguagem política se destina a fazer passar a mentira como sendo verdade e para, através dela, o crime se tornar respeitável. A linguagem da política poderia ser, literalmente, mais saudável.
Be the first to comment on "A linguagem da política"