Alfredo Soares-Ferreira *
A imposição deliberada do silêncio serve uma estratégia perversa, uma espiral voluntariamente desenhada com o intuito de ocultar a história, mesmo que tal possa parecer uma impossibilidade. Não são quaisquer forças do mal, hipoteticamente ao serviço de teorias da conspiração, arquétipos de crenças sobre manipulações secretas, mas sim realidades bem vivas sobre acções deliberadas e intencionalmente apostadas numa narrativa unipolar para impor uma verdade, um pensamento, uma solução. Para tal, nada melhor que a “construção” de mais um muro, neste caso na Faixa de Gaza e que oculta uma chacina criminosa. O silêncio é, neste particular, uma posição, à qual se remete o “ocidente civilizado” perante a acção terrorista dos que apostam na passagem da ocupação violenta ao extermínio organizado.
Proponho-vos um recuo a 8 de Julho de 2022. Nesse dia passariam 50 anos do assassinato de Ghassan Kanafani, co-fundador da Frente Popular para a Libertação da Palestina, pelos serviços secretos israelitas. E foi precisamente naquele dia que o médico palestiniano Yasser Jamil Fayad lhe rendeu um tributo muito especial, num texto particularmente sensível, parte de um livro que sairia a público uns meses depois, com o título “Ghassan Kanafani – anticolonialismo e alternativa socialista na Palestina”, publicado pela Editora Fedayin. Nele se evoca o Homem que foi, para além de activista da causa palestiniana, um destacado intelectual e escritor e que abraçaria o internacionalismo revolucionário, anti-colonialista e anti-imperialista, um dos que viu os seus compatriotas sofrer. Sofrimento que Yasser classificou como a horrenda e execrável expulsão forçada de mais da metade do povo palestiniano das suas terras e de como se reorganizou, em campos de refugiados e tendas, a resistência e a luta nas décadas que se seguiram. Yasser lembrou, a propósito, os crimes cometidos por Israel, particularmente entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, com a utilização de armas químicas (fósforo branco), que dizimaram as populações.
“As pessoas tendem a calar-se quando percebem que a sua opinião é minoritária ou contrária à opinião dominante na sociedade, com receio de serem criticadas ou mesmo ridicularizadas”
O som do silêncio “ouve-se” actualmente no mundo ocidental, onde é notória uma cultura de cancelamento. Não começou com a guerra da Ucrânia (vem de muito antes), mas foi esse um dos pontos mais altos, com os tristes episódios, de índole macarthista, das proibições de canais de televisão russa, de espectáculos e de obras de arte de autores russos. Continuou e intensificou-se, impondo uma verdade e um pensamento únicos. Culmina hoje com a posição hipócrita da dita União Europeia, colónia dos Estados Unidos da América, perante Israel, um país fora da lei e com um governo corrupto e terrorista, que criou o grupo Hamas, que, por força dos ensinamentos, é obviamente também terrorista. Mas não é esse o entendimento da maioria esmagadora da comunicação social ocidental, vendida ao Império e completamente subjugada aos seus interesses. Para esta, apenas o dito grupo é terrorista, a outa parte, é apenas, um “país aliado”.
Um dos autores que teorizou o “cancelamento” foi o jornalista norte-americano Walter Lippmann. Em 1922, publicou uma obra, considerada fundamental para o estudo da comunicação social nos EUA, designada “Opinião Pública”, na qual formulou a tese de que os cidadãos não respondiam directamente aos factos do mundo real, mas que viviam, ou eram forçados a viver, num “pseudo-ambiente”, composto por imagens projectadas nas suas mentes e oriundas de uma comunicação social devidamente treinada e naturalmente subserviente ao poder do dinheiro. Muito embora, na segunda fase da sua vida, se tenha “convertido” ao mercado, à boa maneira americana, deixou-nos a interessante tese “the manufacture of consent”, em português, “fabricação de consentimento“, que supõe um processo de construção das mentes. E foi aliás, com base naquela tese que os norte-americanos Noam Chomsky e Edward Samuel Herman, lançaram em 1998 a obra Manufacturing Consent – The Political Economy of the Mass Media, em que descrevam a comunicação social como um mero negócio, com base na propaganda.
Poder-se-ia perguntar a qualquer pessoa se alguma vez se sentiu intimidada por expressar a sua opinião, porque era simplesmente diferente da maioria. É uma situação típica dos tempos que correm, que tem como consequência directa uma espiral de silêncio e um cancelamento conveniente. Numa circunstância dessas, a pessoa, muito provavelmente, ou expressa livremente a sua posição, ou, pelo contrário, cala-se e entra numa espiral de silêncio, deixando de manifestar o seu pensamento com receio de ser rejeitado pelo seu grupo social.
Alguns estudos sobre a espiral do silêncio datam dos anos setenta do século passado e tiveram, na cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neumann e na sua obra “The Spiral of Silence: Public Opinion – Our Social Skin”, (em português, “A espiral do silêncio: Opinião Pública – a nossa Pele Social”), uma expressão significativa. Ao analisar o comportamento social, face aos meios de comunicação de massa, a Autora reforça a ideia de que as pessoas tendem a calar-se quando percebem que a sua opinião é minoritária ou contrária à opinião dominante na sociedade, com receio de serem criticadas ou mesmo ridicularizadas, quando não, inclusivamente isoladas.
Constata-se, com relativa naturalidade, que as sucessivas ofensivas militares judaicas contra a Faixa de Gaza e a Cisjordânia foram sempre protegidas por uma espiral de silêncio dos principais meios de comunicação mundiais controlados por aquilo que é o lobby judeu transnacional, um poder imenso, incarnado pelos detentores do capital e ao qual o “ocidente civilizado” se rende vergonhosamente.
E entretanto, os inocentes estão, uma vez mais, em silêncio.
Um outro silêncio foi escrito em livro por Thomas Harris (The Silence of the Lambs), publicado em 1988 e depois passado para a tela por Jonathan Demme, em 1991. Netanyahu não tem a classe de Hannibal Lecter, mas, tal como ele, é um monstro, com uma mente psicopata, com uma fixação especial em destruir palestinianos. Aqui, a espiral do silêncio é arquitectada no morticínio em massa. Os mortos não falam. Deixam apenas um silêncio enorme atrás de si.
Concordo que a Comunicação Social se tornou um negócio de massas.
Em relação ao Hamas a ideia que tinha era que o mesmo se tinha formado por Israel para combater a ELP do Yasser Arafat que também foi envenenado.
No entanto pelo que tenho ouvido e lido ultimamente fiquei na dúvida.
Atenção aquela região é disputada há milénios por vários povos, não nos podemos cingir ao que está a acontecer agora e ao último século.
É necessário recuar mais de 11 séculos para conhecer algumas causas, nomeadamente a guerra entre mouros e cristãos nas Cruzadas.
Como sabe 11 séculos em história é como se fosse ontem.
Aliás se recuarmos antes da era cristã os povos que hoje se chamam Palestinos eram originários de várias tribos da região do deserto do Sará.
Há uma coisa que me deixa intrigado e sei que não irei ter resposta para isso, só os meus bisnetos e tetranetos a terão talvez, quando isso interessar só aos historiadores.
Como é que um país que tem a melhor polícia secreta do Mundo a Mossad e além disso o Egipto os tinha avisado que algo se estava a passar foi surpreendido por um massacre do Hamas????????
Aí não sei afinal se o Netanyahu é pior que o personagem do Silêncio dos Inocentes.