Por José Yorg, o cooperário
“O Brasil é o país do mundo com maior desigualdade social. Maior diferença entre o 1% mais rico e os 80% mais pobres. E isso se reflete na propriedade da terra. Somos o país mais proprietário de terras do mundo. Menos de um por cento dos proprietários, que são cerca de 36 mil famílias, detêm 52% de todas as terras do país, cerca de 300 milhões de hectares”, João Pedro Stédile.
Este artigo baseia-se no respeito e na admiração pelo cooperativismo brasileiro por sua luta gentil, sua trajetória e força rumo ao futuro, porém, devo destacar sua limitação: o neoliberalismo.
Ressaltamos o que foi dito acima porque acreditamos que ajudará quem ler estas breves referências sobre o cooperativismo brasileiro a compreender a nossa visão, nossa convicção de onde observamos o mundo, a empresa, o homem e seu contexto, suas dificuldades, contradições e disputas e seus pontos fortes e possibilidades.
“A dependência, a relação de subordinação com as nações mais desenvolvidas que o Brasil sofre limita-o no seu desenvolvimento, situação da qual o cooperativismo não pode escapar”
J.Y.
O cooperativismo brasileiro é altamente desenvolvido, especialmente o cooperativismo agrário, e esta circunstância ajuda a ter uma conceituação muito positiva; no entanto, o capitalismo e a sua crise colocam novas e constantes estratégias e tácticas de defesa. Consequentemente, a nossa reflexão é crítica e não contemplativa.
Um pouco de história
Seguindo a obra “A formação do cooperativismo no Brasil: tendências e desafios no século 21” de Tânia Cristina Teixeira e Amparo Soler Domingo, sabemos que “As formas cooperativas no Brasil apresentam actualmente certo sucesso, baseado no crescimento do movimento cooperativo no diversos sectores da economia. Quase quatro séculos se passaram desde que essa forma de gestão ganhou vida no país”.
“O sistema cooperativo brasileiro tem seus antecedentes mais remotos desde 1610 e, segundo os documentos disponíveis, a ordem dos Jesuítas ou Companhia de Jesus desempenha um papel relevante nesse processo, pois garantiu que houvesse a oportunidade de estruturar uma sociedade mais cooperativa. Foi assim que logo desenvolveu um modelo de cooperação baseado no espírito colectivo, que foi implementado e propagado por mais de cento e cinquenta anos, principalmente na região Sul do Brasil.
Com a perspectiva de melhorar a qualidade de vida e o bem-estar geral através do estímulo à produção, a ação dos jesuítas centrou-se no apoio ao trabalho conjunto denominado “multirão” e na formação de pessoas segundo os princípios cristãos.”
A expulsão dos jesuítas ocorreu no ano de 1767. Porém, o legado jesuíta foi predominante na acção do trabalho cooperativo.
Notemos que no Paraguai os jesuítas também realizaram uma enorme tarefa com os indígenas guaranis na cultura organizacional, no trabalho e na língua, que era imóvel: A cultura guaranito-jesuíta, “Jopoy” e “Oñondivepá” emergiu do intercâmbio, das formas de trabalho conjunto dos camponeses, que ainda persistem.
A “República dos Guarani” foi atacada pelos chamados bandeirantes, traficantes de escravos luso-brasileiros. A expulsão dos jesuítas ocorreu no ano de 1767. Porém, o legado jesuíta foi predominante na acção do trabalho cooperativo.
Segundo declarações ao media argentino “Bichos de campo” em 2022, para Márcio Lopes de Freitas, presidente da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), “o cooperativismo representa 50% de origem agrícola, com mais de um milhão de cooperados, fora de um total estimado de 5 milhões de agricultores em todo o país.”
Repositório: “Alguns desafios das cooperativas agropecuárias brasileiras.” (2012)
A convite da minha amiga paulista Joana D’Arc Nogueira, consultora em desenvolvimento financeiro e ligada ao sector cooperativo, ouso opinar com timidez e respeito sobre alguns desafios das cooperativas agrícolas brasileiras.
Na verdade, além das peculiaridades que o sector cooperativo brasileiro apresenta, este não foge muito da realidade de seus pares latino-americanos, devido à sua convivência em ambientes claramente hostis à cooperação, por mais que tente se adaptar aos projectos capitalistas de administração empresarial e gestão de negócios.
“O cooperativismo é o melhor caminho para o Brasil dar o salto, que pode e precisa dar, especialmente tendo em conta a atual crise internacional.”
Roberto Mangabeira Unger, ex-ministro
Este ambiente a que nos referimos é o que se chama de globalização dos mercados e dentro desta os sectores agroalimentares, que impuseram um mecanismo que liga a produção ao valor acrescentado, cadeias produtivas que implicam especializações de alto nível e influência em que o capital financeiro, trabalho, sociais, etc., se unem para dinamizá-lo. Portanto, aqui encontramos as grandes cooperativas integradas à exportação de commodities.
Os produtores corporativos de bens primários orientados para o mercado interno, certamente limitados nas suas actividades, por motivações diversas, obtêm baixos lucros.
O papel do Estado relativamente a estes dois segmentos cooperativos é francamente díspar e tem as suas luzes e sombras. Basta lembrar as palavras do Dr. Roberto Mangabeira Unger, ex-ministro de Assuntos Estratégicos do Brasil, quando descreveu o ambiente lento em que as cooperativas operam: “O Brasil está fervendo de vitalidade empreendedora e criativa, mas é mantido em uma camisa de força de instituições, práticas e ideias que suprimem essa vitalidade, em vez de instrumentalizá-la.”
Neste ponto não posso deixar de repetir o que afirmei em outro artigo sobre esta questão decisiva: “Concordo amplamente com o Sr. Ministro Roberto Mangabeira Unger, quando afirmou que “o cooperativismo é o melhor caminho para o Brasil dar o salto, que pode e precisa dar, especialmente tendo em conta a atual crise internacional.”
Construir poder político cooperativo
Romper essa camisa de força que impede ou retarda o desenvolvimento económico brasileiro, e principalmente das cooperativas, é o maior desafio, e isso será alcançado se for possível reunir poder político suficiente para influenciar decisivamente as decisões favoráveis que o governo deve tomar.
Portanto, esta lacuna entre cooperativas poderosas e cooperativas modestas deve ser aniquilada através de um processo de integração institucional e empresarial que beneficie ambas as partes e seja assim visualizado no contexto político com maior presença e influência.
“O Estado brasileiro deve levar adiante uma revolução, e que o terreno mais fértil para realizá-la é na agricultura, e em particular, na cooperativa.”
Roberto Mangabeira Unger, ex-ministro
Sem dúvida, no sentido indicado, é urgente que as cooperativas formem os seus associados e gestores para serem eficientes no enfrentamento dos desafios deste tipo de alianças organizacionais estratégicas, com uma abordagem de desenvolvimento equilibrada e equitativa para uma agricultura sustentável, orientada tanto aos mercados interno e externo.
O cooperativismo não pode e não deve replicar as distorções das empresas de capital no mercado, que anulam os seus pares com menor capacidade de negócio. Pelo contrário, e com base nos seus valores e princípios cooperativos, devem acelerar com o vigor necessário um modelo de cooperação dinámica integradora, mostrando assim a força que a caracteriza.
Talvez muito em breve a Europa venha a necessitar de grandes volumes de alimentos devido à crise aguda e crónica que atravessa e isso também se materializará como um desafio a ser enfrentado pelo Brasil e especialmente pelas suas cooperativas agrícolas.
Valorizo repetidamente as expressões de Roberto Mangabeira Unger, que afirmou que “o país tem interesse estratégico em que esta experiência exemplar de cooperativas agrícolas supere os problemas que enfrenta e possa ajudar a apontar o caminho que o país deve seguir, e o Estado brasileiro deve levar adiante uma revolução, e que o terreno mais fértil para realizá-la é na agricultura, e em particular, na cooperativa.”
Em fraternidade, um abraço cooperativo!
(Fotos: MundoCoop)
Be the first to comment on "Algumas breves referências sobre o cooperativismo brasileiro"