“O camponês sem terra é um absurdo económico, uma contradição social e um crime político.”
P.R.F.
Por José Yorg, o cooperário *
Recentemente, a Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) enviou à TecniCoop um e-mail contendo informações muito interessantes, dada a actual situação de crise global e expressa como “Cooperar ou perecer. O dilema da comunidade mundial.”
Trata-se, como comenta a apresentação, “uma reedição de 40 anos da sua versão original, e comemorando 75 anos da criação da comissão e da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, além de constituir uma homenagem ao legado deste grande humanista, é um apelo urgente para revigorar o diálogo global para assumir com uma só voz os desafios inevitáveis que enfrentamos como humanidade.”
Concebida por seu autor Hernán Santa Cruz, diplomata chileno, testemunha privilegiada e, em alguns casos, protagonista de marcos históricos emblemáticos, como a fundação das Nações Unidas e a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como “uma visão latino-americana da gestação, conquistas, obstáculos e perspectivas do sistema das Nações Unidas para dignificar os seres humanos e os povos.”
Enquadrados nesta circunstância de relações internacionais tensas, colocamos o nosso foco cooperativo – de forma muito limitada – em dois exemplos de comunidades camponesas cooperativas que representam uma resposta cooperativa para o campesinato.
1 Cooperativa Campo de Herrera -Tucumán, Argentina.
Em junho de 1967, em assembleia geral com a presença de 119 associados, foi aprovado o estatuto social que criou a Cooperativa Trabalhadores Unidos de Trabalho Agropecuário Ltda. Em sua grande maioria, os associados eram trabalhadores agrícolas canavieiros oriundos de diversas colônias da usina de açúcar Bella Vista. Actualmente é composta por 124 associados e a sua actividade baseia-se na produção de cana-de-açúcar, no cultivo de citrinos e na produção de tijolos cerâmicos.
A crise açucareira de 1966-1967, e o caos social provocado pelo encerramento compulsivo das fábricas de açúcar em funcionamento, levaram uma das usinas afectadas, a Bella Vista, a despedir trezentos e cinquenta trabalhadores, com os quais tinha uma dívida salarial não paga de vários meses. Isto provocou forte resistência da população, conflitos nas ruas e mobilizações que se opuseram ao fechamento da fábrica, sua principal fonte de emprego.
Como proposta emergencial ao conflito social, a fábrica cedeu dois mil hectares de terras ao governo provincial como parte do pagamento da sua dívida empresarial com o tesouro, e para serem entregues aos trabalhadores despedidos, para aliviar o impacto do desemprego e continuar a ter mão de obra disponível para trabalhar nas tarefas de seus campos.
As terras não foram dadas como compensação, mas trocadas por dívidas ao Estado. Mais tarde, o Governo de intervenção militar vendeu-os à cooperativa e solicitou a colaboração do INTA na formulação de um plano de distribuição de terras. A cooperativa comprou o imóvel com tudo o que continha, casas e outras construções precárias, com um empréstimo do Banco da Província que seria pago em sete anos: algo que foi plenamente cumprido após apenas três anos, para protegê-los de possíveis vicissitudes políticas, numa altura de convulsão social. A proposta do INTA era manter os dois mil hectares como uma única unidade produtiva sem parcelamentos e assim aproveitar as vantagens de uma economia de maior escala. Aconselhou-se a criação de uma cooperativa de trabalho como empresa alternativa integral.
2 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Brasil.
Fundado em 1984, o MST tornou-se emblemático na história recente do Brasil, sendo protagonista de importantes conquistas na área da Reforma Agrária. “O MST é fruto dessa indignação do povo camponês e da vontade política de se organizar, de resolver os seus problemas no interior”, explica o comentarista João Pedro Stédile, líder do movimento.
Inicialmente, o movimento surgiu da necessidade das famílias em extrema pobreza, “diante da crise capitalista que reduziu o emprego na cidade e diante das más notícias que chegavam daqueles que haviam ido colonizar a Amazônia”, recorda Stédile.
Hoje, o grupo já está organizado em 24 estados brasileiros, com mais de 400 mil famílias assentadas e cerca de 70 mil acampadas. Mas Stédile lembra que a luta começou no século 20, durante a redemocratização do país, entre 1970 e 1980: “O MST se formou a partir da eclosão de diversas ocupações de terra, por parte de camponeses, em todo o território”.
No podcast Três por Quatro, o geógrafo Bernardo Mançano destaca a importância do MST para a democracia brasileira: “movimentos que lutam contra a desigualdade, que lutam pela terra, pela reforma agrária, pela educação, pela saúde e pela alimentação saudável. Esses movimentos só podem existir num regime democrático.”
A estrutura do MST é sustentada pelas suas cooperativas de produção e comercialização, e pelas suas agroindústrias, bem como pelas suas escolas de Ensino e Formação. (Repositório: 27 Nov, 2008)
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